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30 anos do tetra: Roberto Baggio isolou penalidade que deu título ao Brasil

Italiano é um dos maiores meias que futebol já viu. Habilidoso, inspirava-se em Zico. Tinha como arma o drible, mas sabia finalizar

Cena do filme 'O Divino Baggio', da Netflix Cena do filme 'O Divino Baggio', da Netflix

Baggio, Roberto Baggio, isolou a penalidade. Como perdeu? Craque não manda por cima da baliza a cobrança mais importante que fará na carreira. Imagina-se pulverizando o infeliz arqueiro com tiro saído do pé direito. Baggio não erra. Poucas vezes falhou. Falhará agora, me diga, por quê? Bola se preparando para beijar o ângulo de Cláudio Taffarel.

Inacreditável, caro leitor, Baggio fracassou. Era a última cobrança da Itália na disputa por pênaltis. Precisava converter. Ou, senão, adeus. 17 de julho de 94, decidia-se a Copa do Mundo. Vejo pelo Youtube: Baggio, vixe, frustra sonhos italianos. Põe a mão na cintura, olha para o chão, semblante triste: “acabei de passar à história como o cara que dera o tetra ao Brasil”.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreve, em “Futebol ao Sol e à Sombra”, obra publicada no Brasil pela editora L&PM, que o futebol do craque italiano embeleza o público por causa de seus mistérios. Para Galeano, romântico incurável, as pernas de Baggio “pensam por sua conta, o pé dispara sozinho, os olhos veem os gols antes que aconteçam”.


		30 anos do tetra: Roberto Baggio isolou penalidade que deu título ao Brasil
Baggio isola cobrança. Foto: Fifa/ Divulgação

É fácil culpá-lo por fraquejar em momento tão inoportuno. Fechava, afinal, a sequência dos cinco primeiros batedores da Azzurra. Não poderia desperdiçar, como desperdiçara o zagueiro Franco Baresi e o atacante Daniele Massaro. Ninguém tinha lhe dado esse direito.

“Quando criança, eu sonhava jogar uma final de Copa do Mundo entre Itália e Brasil, porém a única coisa que não sonhava era que terminaria comigo perdendo um pênalti decisivo. Faria tudo para compensar pela Copa de 1994”, desabafou, em lágrimas, há cinco anos.

Driblador, artilheiro e decisivo, Baggio costuma dizer que se inspirava no brasileiro Zico, a quem tinha como ídolo pelas performances inesquecíveis vestindo as cores do Flamengo e Brasil. Chegou a ser descrito pela imprensa europeia como o “mais brasileiro dos jogadores italianos”, pois se destacava pela qualidade técnica e capacidade de improvisar.

Baggio começou a carreira no Vicenza, em 1982. Sofreu a primeira contusão séria ainda no clube que o revelara. A lesão atrasaria sua transferência para a Fiorentina, agremiação da qual se tornou meia-atacante três anos depois de ter despontado no futebol. Entre idas e vindas, psicológico abalado e incertezas quanto ao futuro, virou adepto da religião budista.

Sabe-se que Itália é um país de fé católica. Por vezes, digamos, mostra-se um tanto intolerante. Como havia possibilidade de aposentar-se em razão das contusões, Baggio pensou em suicídio. Um amigo lhe salvou a vida. Donde aprofundou-se na Soka Gakkai, corrente do budismo que defende a meditação como forma de frear energias negativas.

Parecia que eu havia morrendo. Até hoje, não aceitei o erro. Chutei para fora o final feliz do meu sonho Roberto Baggio, craque italiano

Apesar das lesões, empolgava com boas atuações pela Viola, sendo fundamental na campanha que levou o time ao histórico vice-campeonato da Copa da Uefa, em 1990. A glória no Velho Continente, todavia, ficou com a Juventus. Seria para Turim que Baggio se mudaria em seguida, numa venda que movimentou 13 milhões de euros, em cifras da época.

Se a rica cidade do norte italiano estava em festa, Florença ardia em protestos pela saída do ídolo. Isso impactou a concentração da Azzurra para a Copa de 1990, disputada no país da bota. Baggio, contudo, esquentou o banco para o atacante Vialli. A seleção caiu na semifinal diante de uma Argentina liderada por ninguém menos que Diego Armando Maradona.

Na Juventus, Baggio agarrou a Copa da Uefa, que deixara escapar ainda pela Fiorentina. Dessa vez, anotou cinco gols entre semifinais, contra o Paris Saint-Germain (longe de ser o clube milionário de hoje), e final, disputada com Borussia Dortmund. Receberia, em 1993, dois importantes prêmios individuais: Ballon d'Or e melhor jogador do mundo pela FIFA.

Squadra Azzurra

Era titular incontestável da equipe montada pelo revolucionário Arrigo Sacchi, mas só foi desencantar na competição no mata a mata, uma vez que a Itália se classificou em terceiro lugar em seu grupo graças ao critério desempate. Fez dois gols contra a Nigéria, virando jogo complicado na prorrogação, assegurou a vitória diante da Espanha nas quartas e, machucado, mandou duas bolas às redes da Bulgária pela semifinal.

Teria pela frente o Brasil do atacante Romário, melhor jogador do Mundial, num jogo disputado sob calor de 35 graus. Debilitado fisicamente, Baggio entrou em campo usando proteção na coxa direita. O goleiro Taffarel, cristão fervoroso, disse à “Placar” que se sabia vitorioso, porque “quem confia em Deus nunca vai perder para quem acredita em Buda”.

Elegante — assim como quando jogador —, o meia-atacante italiano rebateu o conservador arqueiro gaúcho: “Ele tem sua fé. Tenho a minha. E cada um deve ser respeitado por suas crenças”. Taffarel era missionário na ala da seleção conhecida como Atletas de Cristo.

Baresi foi o primeiro, errou, chutou alto. Evani, um especialista, marcou o gol. O disparo de Massaro foi parado por Taffarel. Não obstante, todos recordam o último pênalti de Roberto Baggio, que lançou a bola por cima do travessão” Arrigo Sacchi, treinador

No livro “Calcio Totale” (Futebol Total, em tradução), lançado em 2015, Sacchi lembra que a sequência das cobranças não aconteceu da forma que tinha planejado. O treinador, conhecido pelo trabalho à frente do Milan, imaginava Baggio abrindo a série de penalidades, mas conta que o camisa 10 não se sentia com “ânimo” para carregar a responsabilidade.

“Baresi foi o primeiro, errou, chutou alto. Evani, um especialista, marcou o gol. O disparo de Massaro foi parado por Taffarel. Não obstante, todos recordam o último pênalti de Roberto Baggio, que lançou a bola por cima do travessão”, relata Sacchi ao jornalista Guido Conti.

Foi assim a sequência de cobranças: Baresi, implacável no tempo normal (anulou Romário), mandou longe da baliza. Márcio Santos, brasileiro, errou. Em seguida, Itália e Brasil marcaram, com Albertini e Romário. Evani e Branco fazem. Por sua vez, Taffarel agarra a cobrança. Baggio, fora de série, fã de The Who, militante pela paz, manda longe.


		30 anos do tetra: Roberto Baggio isolou penalidade que deu título ao Brasil
Jogador ainda disputou contra de 98. Marcus Vinícius Beck


“Parecia que eu havia morrido. Até hoje, não aceitei o erro. Chutei para fora o final feliz do meu sonho. Não só o meu, mas o sonho de todos os italianos. Por sorte, a vida vai muito além do futebol”, afirmou o craque ao jornal italiano “Corriere dello Sport”. Esse episódio dramático é narrado no filme “O Divino Baggio”, produção dirigida pela cineasta Letizia Lamartire. O longa ficcionaliza bastidores das partidas da Azzurra na Copa dos EUA.

Após a final da Copa de 94, jogada no Rose Bowl, em Pasadena, na Califórnia, Baggio ficou atormentado. No futebol de clubes, trocou a Juventus pelo Milan. Defendeu as cores rossoneri até se desentender com Sacchi, novo treinador da equipe. Humilhado, acertou com Parma, mas Carlo Ancelotti o barrara e, para se justificar, alegou “questões técnicas”.

Como queria disputar a Copa de 98, precisava convencer Cesare Maldini de que teria condições de jogo. Fez, então, uma temporada excelente no Bologna. No Mundial da França, voltou a cobrar pênalti decisivo na partida contra o Chile, na primeira fase. Jogou ainda pela Internazionale, fazendo dupla com Ronaldo Fenômeno. Aplaudido em pé no San Siro, em Milão, contra o Milan, despediu-se do futebol no Brescia. Era em 2004.

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    Publicado domingo, 14 de julho de 2024 - 20:49

    / Atualizado domingo, 14 de julho de 2024

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