Esportes

Allan do Carmo: tragédia vira coragem antes dos Jogos

Diário da Manhã

Publicado em 9 de novembro de 2015 às 07:05 | Atualizado há 9 anos

Allan do Carmo passou mais do que uma tarde em Itapuã. Nas águas que ficaram célebres na música de Toquinho e Vinícius de Moraes, o maratonista aquático começou a escrever a sua trajetória desde pequeno. Além das braçadas diárias no mar, o baiano percorria ruas batizadas com nomes de poetas e músicos e poderia imaginar se um dia teria sua própria placa. Normal pensar na eternidade quando a morte nada ao seu lado.

Em Fujairah, nos Emirados Árabes, um mergulho pode não ser nada refrescante. A reação conjunta ao calor e ao esforço físico faz o corpo derreter dentro do mar com temperatura de 33 graus ou superior. A visão fica turva, o corpo afunda, os pulmões inundam. Isso aconteceu com o campeão do Pan-Americano do Rio (2007), o americano Francis Crippen. O ano era 2010. Allan do Carmo seguia o rival de perto, foi um dos últimos a vê-lo. Ele jamais cruzaria a linha de chegada daquela etapa da Copa do Mundo. Tinha 26 anos.

— Eu vi a morte ao meu lado. Estava em segundo no circuito e sempre disputava com ele, chegamos a ficar lado a lado. Ele perdeu a consciência, desidratou, morreu afogado. Fez cinco anos em outubro, mas lembro como se fosse hoje — disse Allan, sem saber como sobreviveu:

— Comecei a passar mal assim que completei a prova e acabei em um hospital. Achei na hora que estava morrendo. Tentaram relacionar a morte dele com os sintomas que eu sentia. Até exame de bafômetro fizeram. Sabia que ele havia desaparecido, mas não morrido. Recebi a notícia no hospital e foi triste. Eu nunca achei que morreria assim. Só quem sabe nadar morre afogado. Marcou, mas não perdi a coragem.

A experiência deixou Allan mais maduro. Com a mesma idade hoje que Francis tinha quando morreu, o baiano acredita ter chegado ao ápice da forma e da técnica para superar ondas, correntezas e temperaturas adversas, além da poluição no Rio. Acabou de conquistar medalha de prata no Mundial de Kazan (5km). Foi campeão no Sul-Americano em Santiago em 2014, prova de 10km. Seu melhor resultado em Copacabana, local da maratona aquática nos Jogos de 2016, foi o bronze no Pan-Americano de 2007. Para ele, que foi a Pequim-2008 (14º), mas não se classificou para Londres-2012, é hora de brilhar “em casa”.

— O Pan foi um marco, depois veio Pequim, os Mundiais… Já rodei bastante para voltar para minha casa. É como considero o Rio — afirmou.

Em 2014, quando venceu a Copa do Mundo de Maratonas Aquáticas em Hong Kong (primeiro brasileiro a conseguir o feito), ganhou o título de melhor nadador do mundo. No feminino, a também baiana Ana Marcelo Cunha fez a mesma dobradinha. No Rei e Rainha do Mar, em Copacabana, repetiram a dose. Allan superou o americano Chip Peterson no fim, bloqueando a passagem do rival, que era mais rápido na prova de 3km. O reinado na praia, na qual venceu também o evento-teste em agosto, não o põe como favorito absoluto ao ouro, mas o credencia como um nadador com chance reais de medalha nos Jogos.

— Já dá para sentir a adrenalina. Estou em um misto de inebriado e nervoso. Claro que há a pressão de uma Olimpíada no Brasil, mas é um sonho também — disse ele, primeiro atleta de desportos aquáticos a obter a vaga nos Jogos, durante prova em Kazan, na Rússia, onde completou 10km em 1h50m.

FISGADO PELA REDE SOCIAL

O passaporte carimbado é o símbolo de um atleta rodado, inserido no circuito mundial de um esporte de alta performance. Cenário bem diferente daquele enfrentado no começo da carreira, quando a família ajudava a matar a fome de competir com doses de criatividade e solidariedade.

— Era um “crowdfunding” à base de caruru. A família cobrava ingresso e isso ajudava nas despesas de viagem do circuito nacional. Minha família me abraçou — lembrou o atleta, filho de um ex-funcionário da Petrobras com uma servidora pública.

Além do “carurufunding”, a família promovia bingos, vendia camisas e fazia a divulgação. Hoje, Allan tem uma agência de comunicação, que criou novo site (allandocarmo.com.br), perfis nas redes sociais, e vai escrever um livro sobre a vida de um atleta olímpico. Nada mal.

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