O ponta-esquerda Vinicius Jr, 22, deixa um rastro de brasilidade por onde quer que passe. Primeiro, pelos dribles, gols e toques que saem dos seus pés - é o grande craque da Seleção Brasileira nesta Copa do Mundo após Neymar. Depois, pelo baile que promove ao encontrar espaço em defesas fechadas quando decide gingar ao ritmo do samba - lembra da categoria dele para estufar o filó adversário no início da peleja contra a Coreia do Sul, nas oitavas?
Para o brasileiro preterido por Zidane e aposta de Carlo Ancelotti, o gol é o momento mais importante do futebol. E nos gramados europeus percebeu o óbvio: racistas não gostam de vê-lo driblar, partir para cima do marcador e tirá-lo para dançar. Mas ele pula, cai, levanta, sobe, desce, corre, chuta e abre espaço, fazendo a cidade ficar toda vazia nestes dias de Copa só para assisti-lo ser retrato do futebol brasileiro em sua máxima expressão de alegria.
Joga bola, jogador
O Brasil, até as oitavas de final, não fazia nada. Agora, graças a Vini e a categoria que lhe torna especial, faz. Sentiu o desfalque de Neymar, sofreu para bater a retranca suíça e perdeu por 1 a 0 para Camarões. Na segunda partida, o carioca marcou um gol. Fome saciada? O juiz, acredite se quiser, não validou o tento. E, no último jogo pela fase de grupos, o craque ganhou descanso de Tite, talvez por isso a Seleção tenha sido vencida.
Jogando como se estivesse diante de flamenguistas num Fla-Flu no Maracanã ou Santiago Bernabéu durante o El Clássico, Vinicius foi a estrela da noite contra a Coreia do Sul. O camisa 20 abriu o marcador, infernizou a defesa com arrancadas que chegavam a 35 km/h e só não entrou com bola e tudo porque teve humildade. Quem resolve final de Champions possui condições de liderar a vitória contra a Croácia, amanhã, ao meio-dia, nas quartas.
“Não só nós ficamos muito felizes, como agora na Copa um país inteiro fica. Temos muitas comemorações para fazer ainda. Que a gente siga fazendo muitos bailes e jogando bem para chegar até a final nesse ritmo”, disse o jogador, em entrevista coletiva, que contou até com a ilustre presença de um gato. “A galera gosta de reclamar quando vê o outro feliz, e o brasileiro é sempre muito feliz. Que a gente possa seguir com a nossa alegria.”
Nascido em julho de 2000 num país tropical, abençoado por Deus, bonito por natureza, onde em fevereiro tem Carnaval e há Flamengo, a arte da ginga dançada por Vinicius já estimulou manifestações racistas no campeonato espanhol. “É um macaco, Vinicius é um macaco”, gritou a torcida do Atlético de Madrid, após o agente de jogadores Pedro Bravo, em programa televisivo, dizer que o craque madrileno deveria “deixar de fazer macaquice”.
“Dizem que felicidade incomoda, mas a felicidade de um preto, brasileiro e vitorioso na Europa incomoda muito mais. A minha vontade de vencer, sorriso e brilho nos olhos são muito maiores do que isso. Fui vítima de racismo e xenofobia em uma só declaração, mas nada disso começou ontem”, afirmou Vinicius Jr, que seguiu dançando e driblando. O zagueiro Koke, do Atlético de Madrid, ameaçou: “se você dançar, pode ter problema”.
Trauma das quartas
Para dar mais um passinho em direção ao hexacampeonato, a Seleção terá de lutar contra seus piores medos. Desde 2002, ano em que levou a taça de campeão do Mundo pela última vez, a Canarinha foi eliminada ao enfrentar times europeus, com exceção da Colômbia, em 2014, quando venceu o time de James Rodriguez por 2 a 1, avançou para a semi e perdeu de 7 a 1 para a Alemanha, na derrota mais dolorida do futebol brasileiro em Copas.
À exceção do ano em que sediou o Mundial, o Brasil cruzou com França, Holanda e Bélgica nas quartas de final. Em todas as ocasiões, caiu nas quartas. E desde 1990, quando Maradona deixou Caniggia na cara do gol, a Seleção não voltou para a casa nas oitavas de final. Mas o time verde e amarelo, mesmo duelando contra os vice-campeões de 2018, é favorito para avançar. No entanto, os croatas devem adotar estratégia semelhante à Suíça, fechando-se com uma primeira linha de cinco e saindo para o jogo nos contra-ataques.
Apesar das dificuldades, as jogadas capazes de furar o ferrolho dos balcãs surgem dos pés de Vinicius Junior. Foi o melhor da peleja contra a Coreia e joga com calma, categoria e tranquilidade. A cada partida, torna-se um dos protagonistas do Brasil. “A Croácia sofreu para eliminar o Japão, nos pênaltis, e apesar de ter chegado à final, também não acho que esteja no mesmo nível da seleção canarinho”, crava o cronista Paulo César Caju, na “Placar”. O futebol brasileiro, para desespero dos europeus, é o território natural da ginga.