Aos 63 anos, o treinador italiano Carlo Ancelotti, nome cotado para assumir a Seleção Brasileira desde dezembro último, olha para carreira construída à beira do gramado e vê que quase não lhe falta título no currículo: quatro Liga dos Campeões, três Mundial de Clubes, uma Série A, uma La Liga, uma Premier League, uma Bundesliga, uma League 1. São 24 troféus erguidos em 27 anos. Sua contratação, se for confirmada, será golaço da CBF.
Ancelotti brilha pela simplicidade. Não revoluciona como Josep Guardiola, não monta equipe que sufoca o adversário no campo de ataque ao estilo Jürgen Klopp e não inova como já fez Johan Cruyff. Mas, ora pois, por que o consideram um gênio? Apenas porque não é um Renato Gaúcho e faz o básico, com maestria, já que é estudioso, debruça-se em informações para se manter atualizado e sabe como a coisa funciona numa partida.
Quando vestiu as cores do Milan entre 1987 e 1992, época na qual compunha o meio-campo rossoneri com Roberto Donadoni e Frank Rijkaard, foi treinado por Arrigo Sacchi, considerado o melhor técnico dos anos 80, ao lado de Cruyff. Não segue todos os ensinamentos de Sacchi, com quem venceu Série A, Supercopa da Itália, Liga dos Campeões da UEFA e Supercopa da UEFA, mas os adapta ao seu esquema de jogo e aos seus times.
“Carlo é o técnico mais relaxado que conheci na minha vida e uma das melhores pessoas que você pode conhecer. É super inteligente, uma pessoa fantástica. Ele faz com que tenhamos que jogar em outro nível. Eu o respeito e o admiro muito”, elogia o técnico do Liverpool, Jürgen Klopp, durante coletiva de imprensa que antecedeu duelo válido pelas quartas de final da Liga dos Campeões, na última terça, 21. A partida foi vencida pelo Real por 5 a 2.
Se nas fotos costuma aparecer com cara de durão, quem conhece Ancelotti afirma que ele é, na verdade, uma grande surpresa. “É muito humilde, o que não é algo normal no futebol. Trata todos iguais. Nunca ignora alguém somente porque a pessoa não está no seu nível. Ele sempre vai escutar”, diz o astro português Cristiano Ronaldo, vencedor da Liga dos Campeões pelo Real Madrid sob o comando do italiano, na temporada 2013-2014.
A principal característica de Ancelotti é a tranquilidade, que se torna, no caso dele, uma força. Para o italiano, existe autoridade em ser ponderado, em construir relações de confiança e tomar decisões de maneira fria, em usar e abusar da influência. “Quando se assiste a Vito Corleone em ‘O Poderoso Chefão’, vê-se um homem fraco e introvertido ou uma pessoa poderosa e tranquila no controle da situação?”, filosofa o técnico, no livro “Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila” (R$ 64,90), publicado pela editora Grande Área.
Força
Nascido em 1959 na comuna de Reggiolo, conhecida pelos queijos, o ex-meia - habilidoso, por sinal - não pensa duas vezes antes de atribuir à infância pobre lições que o guiaram na carreira. Na Roma, em cujo clube formou parceria com brasileiro Paulo Roberto Falcão, carregou braçadeira de capitão. Só não foi à Copa de 82, a da Tragédia de Sarriá, quando a squadra azzurra despachara o Brasil de Sócrates para a casa, porque tinha se machucado.
À época, o auge se aproximava: tinha começado a jogar bola num time de Reggiolo anos antes, deixou as fazendas da região em seguida, viajou 50 quilômetros até Parma e assinou seu primeiro contrato como jogador. Tinha 16 anos, prestes a completar 17. Até que, pouco mais de três anos depois, destacou-se na campanha que tirou o Parma da Série B. Como já era craque, convidaram-lhe a fazer as malas para morar na capital italiana.
Por lá, os bons passes, a marcação eficiente e a elegância lhe garantiram a primeira convocação para a seleção da Itália. Era um trabalhador, um operário incansável e, sem cogitar corte nas Copas de 86 e 90, arregaçou as mangas, lembrando ensinamento dos pais: calma, foco e paciência. Essa receita, após sofrer com graves lesões, levou-o para o México, Mundial vencido por uma “maradoniada” Argentina, e aos gramados italianos que tão bem conhecia, nos quais foi até semifinal, quando azzurra perdeu para a albiceleste.
Neste período, já motorzinho daquele Milan de Arrigo Sacchi, tinha virado um dos líderes no vestiário: Ancelotti, Baresi e Maldini possuíam o respeito do elenco. E os craques? Bem, além da dupla holandesa (Ruud Gullit e Frank Rijkaard) que fazia o time andar, o ataque jogava a serviço do faro apurado para gols de Van Basten, aposentado precocemente, aos 28 anos, depois de seu tornozelo não aguentar mais as entradas duras dos marcadores na Itália.
Aposentadoria dos gramados
Sofrendo com contusões, Ancelotti resolveu pendurar as chuteiras, aos 33. Desde o início dos anos 90, habituou-se a lidar com as principais estrelas do futebol, como Kaká, Seedorf, Pirlo, Shevchenko, Ronaldo Fenômeno, Drogba, Cristiano Ronaldo e Lewandowski. Foi assistente da seleção italiana, depois assumiu o comando do Parma, passou pela Juventus e chegou ao Milan, numa época - 2001 - em que Silvio Berlusconi injetava muito dinheiro no clube.
O sistema tático por ele popularizado em Milão, cujo desenho era uma árvore de Natal, contava com Kaká e Seedorf, meias posicionados logo atrás de Filippo Inzaghi, que se revezava com Alberto Gilardino no ataque, depois de Shevchenko ter se transferido para o Chelsea. Apesar de a essa altura ter uma Liga dos Campeões - a de 2003 - no currículo, não escapou das acusações de retranqueiro. Hoje, o jornal “Corriere Della Sera”, principal diário italiano, define sua carreira como “legendária” e diz que tem um “futuro a descobrir”.
Especulado por uma imprensa que descobriu só depois da Copa do Mundo que Carlo Ancelotti é vencedor, pesa a favor do italiano, além do seu currículo irretocável, o fato de se dar bem com brasileiros: Kaká o elegeu como o melhor treinador que teve na carreira, Ronaldo Fenômeno afirmou que é “um cara da resenha” e Vinícius Jr voa nos gramados europeus graças a ele. Mesmo assim, sábio que é, Ancelotti não irá transparecer para Florentino Pérez, manda-chuva do Real Madrid, sua vontade em morar no Rio de Janeiro.
Após erguer o Mundial de Clubes, fez política ao ponto de citar Berlusconi e Pérez na mesma entrevista. A contratação do treinador, caso se concretize, será muito boa e, como o futebol se insere na sociedade globalizada, a Seleção só tem a ganhar. Aguardemos.