Ó, leitor, nasce um craque: Endrick acerta um chute forte com a canhota diante de milhares de pessoas. Sai correndo em direção à torcida. Vem procurando a namorada. Fotógrafos lhe retratam a beijando. Tem gosto de vestir a amarelinha, esse menino. É reconhecido como a maior promessa do futebol brasileiro desde Neymar. Seu nome? Endrick Felipe Moreira de Sousa, contratado pelo Real Madrid, clube em que atuam os brasileiros Vini Jr e Rodrygo.
A imprensa - não poderia ser diferente - publicou relatos enlouquecidos sobre o adolescente de Taguatinga (DF), 17 anos, que marcou nos sagrados Wembley e Santiago Bernabéu. Fez o gol da vitória brasileira contra o English Team no sábado, 23, cuja atuação serviu para justificar a respeitada fama da Canarinha dada pelas cinco Copas vencidas. Nenhuma escola pelo mundo produz tantos talentos, como o Brasil produz os seus craques gestados na várzea.
Para o jornal espanhol “Marca”, identificado com o time madridista, Endrick é “imperável”. Já o “As”, pouco mais equilibrado em matéria futebolística, afirma que “nasceu uma estrela”. Seja como for, seja o que for, bastaram-lhe seis dias para fazer dois dos maiores estádios da Europa se curvarem aos seus pés. A estrela do atacante encanta com sua luz de brasilidade.
Douglas Ramos, pai, não esconde o orgulho: “ver o meu filho jogar com a amarelinha, seja na Seleção principal ou na Seleção Olímpica, e ver o Brasil sair com uma vitória com um gol dele, nada mais merecido”. Durante o Pré-Olímpico, ainda à CBF, Douglas falou do clima entre os jogadores: “ele me disse que o ambiente entre os jogadores é o melhor possível e que vai fazer de tudo para sair daqui com o título”. Não deu certo - mas valeu a espera.
Com 1,73 metro e 66 kg, era necessário vê-lo pelos gramados europeus. Quando entrara na congestionada partida contra a Inglaterra, marcou um gol após lançamento milimétrico de Andreas Pereira, que encontrou os pés rápidos e alegres de Vini Jr. O delantero madridista, no entanto, finalizara mal, em cima do arqueiro inglês, mas a bola sobrou para Endrick, aos 34 minutos do segundo tempo, com um desfecho muito comentado pelo mundo: gol!
“Uma memória única, não tenho o que descrever. Fico muito contente, porque minha família está aqui, minha namorada, meus empresários. Não sou um cara de chorar muito, mas estou segurando a emoção. Estou muito feliz”, celebrou o atacante. Nem nesse momento, de alegria e de sonho realizado, o brasileiro poupou a autocrítica. “Ainda estou raciocinando, acho que isso prejudicou um pouco no final, quando eu tive outra bola para fazer o gol.”
A joia brasileira já está com lugar garantido na história. Foi emocionante assisti-lo marcar o gol que garantiu a vitória da Seleção Brasileira diante da Inglaterra. Tornou-se o mais jovem jogador a balançar as redes no mítico templo do futebol e também o mais jovem desde Ronaldo (cuja estreia pelo Brasil ocorrera há 30 anos) a fazer um gol pela Canarinha. Ronaldo Fenômeno, como se sabe, glorificou a camisa 9 da Seleção. E Endrick, fará o quê?
Em seus pés, habilidosos pés capazes de produzirem dribles ou gols que deixariam Federico Fellini embasbacado, pode-se resgatar o prestígio da outrora respeitadíssima amarelinha. Mas nem tudo são rosas na vida do adolescente. Sem escolha alguma, precisa concluir os estudos a distância e abdicou há muito de frequentar parque de diversões, ir ao cinema ou passear. Jogar bola não é simples; nós é que simplificamos os dramas humanos do esporte.
“Uma memória única, não tenho o que descrever. Fico muito contente, porque minha família está aqui, minha namorada, meus empresários” Endrick, jogador
Sem opções
Só havia uma opção para Endrick: futebol. É filho de pai faxineiro e a família compreende as dores, os traumas e as angústias que o crime de racismo provoca. Nos ombros, o craque precoce carrega os sabores e dissabores de ser prodígio. Aos 15, encantava torcedores como um dos protagonistas do Palmeiras na Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2022, torneio responsável por revelar joias do futebol. Ele marcou seis gols na competição de base.
Um deles, inclusive, foi o mais belo de todos. E o que seria o gol, cá pra nós, sem ser obra de arte - como a consumação do arremate certeiro e do drible desconcertante? Como quadro de Da Vinci, músculos e cérebro se esforçam para arquitetar a engenharia do êxtase máximo do futebol. E, por fim, não se pode esquecer da euforia provocada pela bola nas redes - que Zico certa vez afirmou não se comparar a um orgasmo, mas nem ele, Romário, Ronaldo ou Endrick poderiam impedir que o torcedor experimentasse uma sensação parecida com gozo.
Eu sei, as comparações acima cheiram a perfume de literatice. Me desculpem, por favor. Mas confesso que é difícil não fazê-las, em razão da esperança que é se deslumbrar com Endrick em campo e sua capacidade técnica de antever lances, tomar decisões lúcidas e, num passe de mágica, definir uma jogada em que se tem alto grau de dificuldade. Dos pés dele, veem-se - claro - a chance do triunfo. Contudo, na “Folha de S. Paulo”, o ex-jogador e cronista Tostão alerta para a “exagerada” exaltação do prodígio jogador palmeirense.
Nem a pouca idade lhe impede de ser cobrado. O próprio jovem craque, negociado com o Real Madrid num valor que chega próximo a R$ 400 milhões, se tornou o quarto mais jovem a vestir a amarelinha. Estreou pelo time nacional com 17 anos, 3 meses e 23 dias, em um Brasil e Colômbia. Ainda que normal no passado, sabe o que espanta? Não tem tatuagem, brinco ou qualquer outro tipo de adereço comum aos boleiros. Segue Cristiano Ronaldo, mas já revelou que mantém conversas com xará brasileiro, o eterno camisa 9 da Seleção.
Por enquanto, resta-nos acompanhá-lo com a camisa do Palmeiras. Depois, irá vestir as cores do Real Madrid e jogará ao lado de Rodrygo e Vini Jr. Segundo o jornalista Paulo César Vasconcelos, numa postagem publicada no Instagram, melhor companhia que eles simplesmente não há: seja para enfrentar os adversários, dentro das quatro linhas, ou fora delas, num país em que o racismo sequer é crime. Preparem-se, amigos, Endrick já chegou.