Por Redação
Tiros comemorativos ressoavam em Cabul na madrugada desta terça-feira, 31. Era o aviso de que os combatentes talebans assumiram o controle do aeroporto da capital afegã, após a saída dos últimos soldados americanos do Afeganistão, uma imagem que encerrou 20 anos de uma guerra devastadora e abre um novo capítulo marcado pela incerteza.
A retirada americana foi considerada um êxito "histórico" pelo grupo Taleban, que assumiu o controle de Cabul em 15 de agosto e derrubou o governo afegão após uma ofensiva relâmpago em todo o país.
As tropas dos Estados Unidos invadiram o Afeganistão em 2001, na liderança de uma coalizão internacional, para derrubar o grupo radical, que se recusava a entregar o líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, após os atentados de 11 de setembro.
Na pista do aeroporto, os líderes taleban se comprometeram com a proteção do país, a reabertura rápida do aeroporto e a concessão de anistia a antigos adversários. "Felicitações ao Afeganistão ( ..) Esta vitória pertence a todos nós", declarou Zabihullah Mujahid, porta-voz dos islamitas, no aeroporto de Cabul, que foi controlado até segunda-feira (30) pelas forças americanas.
"Esta é uma grande lição para outros invasores e para nossas futuras gerações.Também é uma lição para o mundo", disse Mujahid "É um dia histórico, um momento histórico e estamos muito orgulhosos", completou.
"O Afeganistão está finalmente livre", disse Hekmatullah Wasiq, um oficial taleban, à Associated Press na pista. "Os lados militar e civil (do aeroporto) estão conosco e sob nosso controle. Esperamos anunciar nosso governo em breve. Tudo pacífico. Tudo seguro", disse. Wasiq também instou as pessoas a voltarem ao trabalho e reiterou o compromisso dos taleban de oferecer uma anistia geral.
Postos de controle liberados
Na manhã desta terça-feira, os taleban retiraram quase todos os postos de controle no caminho para o aeroporto - apenas um foi mantido. Nas estradas, os combatentes não escondiam a alegria ao cumprimentar os motoristas.
As imagens dos líderes taleban caminhando vitoriosos pelos hangares do aeroporto, escoltados por milicianos armados que exibiam a bandeira branca do movimento, enquanto posavam para câmeras, ao lado dos helicópteros destruídos pelos americanos antes da retirada do país, resumem de maneira perfeita o novo capítulo que começa no país.
Desde que assumiram o poder, os taleban se esforçam para apresentar uma imagem conciliadora e aberta. Eles prometeram não aplicar represálias contra as pessoas que trabalharam para o governo anterior. "Queremos boas relações com os Estados Unidos e o mundo", garantiu Zabihullah Mujahid nesta terça-feira.
Os taleban também informaram que pretendiam anunciar nos próximos dias a formação de um novo governo após a conclusão da retirada militar americana.
Gosto amargo
Após duas semanas de retiradas precipitadas e em alguns momentos caóticas, o último avião de transporte militar C-17 decolou do aeroporto na segunda-feira pouco antes da meia-noite em Cabul (16h29 de Brasília), anunciou em Washington o general Kenneth McKenzie, que dirige o Comando Central dos Estados Unidos.
Uma imagem registrada pelo Pentágono com lente de visão noturna mostra o general Chris Donahue, o último militar dos EUA a embarcar a bordo do voo final de retirada dos americanos para fora de Cabul. A retirada americana foi concluída 24 horas antes da data-limite estabelecida pelo presidente Joe Biden, para quem este dia tem um gosto amargo.
Embora o objetivo de neutralizar Bin Laden tenha sido concretizado em 2 de maio de 2011, quando as forças especiais americanas mataram no Paquistão o líder da Al-Qaeda, as tropas dos Estados Unidos permaneceram no Afeganistão, sobretudo para formar um exército afegão que rapidamente desapareceu diante do avanço do Taleban.
No total, os Estados Unidos registraram 2.500 mortes e uma conta de 2,3 trilhões de dólares em 20 anos de guerra, de acordo com um estudo da Brown University.
Além disso, o país deixa o Afeganistão com uma imagem abalada por sua incapacidade de prever a rapidez da vitória dos taleban e pela maneira como a retirada foi organizada.
Desde 14 de agosto e durante 18 dias, aviões dos Estados Unidos e de países aliados retiraram quase 123.000 pessoas do Afeganistão, segundo o Pentágono. Entre as pessoas que fugiram estavam cidadãos de países ocidentais, mas também milhares de afegãos que trabalhavam para países e organizações estrangeiras ou que por sua profissão ou maneira de viver seriam alvos dos taleban.
Na segunda-feira, os militares americanos admitiram que não conseguiram retirar todas as pessoas que desejavam, um fracasso que foi criticado pela oposição republicana. Biden "abandonou americanos à mercê dos terroristas", disse o líder dos republicanos na Câmara de Representantes, Kevin McCarthy.
A grande operação de retirada a partir do aeroporto de Cabul foi manchada de sangue em 26 de agosto com o atentado suicida reivindicado pelo grupo extremista Estado Islâmico de Khorasan (ISIS-K), que deixou mais de 100 mortos, incluindo 13 soldados americanos.
Grande inimigo do Taleban, o ISIS-K pode prosseguir como uma ameaça e executar novos ataques no país. No último domingo, o Pentágono afirmou que evitou um atentado com carro-bomba da filial do Estado Islâmico contra o aeroporto ao destruir, com um drone, um veículo que estaria lotado de explosivos.
Medo de recuo
O governo dos Estados Unidos seguirá "ajudando" todos os compatriotas que desejam sair do Afeganistão, afirmou na segunda-feira o secretário de Estado, Antony Blinken, e "trabalharão" com os taleban caso cumpram seus compromissos. "Os taleban querem legitimidade e apoio internacional. Nossa mensagem é que a legitimidade e o apoio precisam ser merecidos", completou.
Entre 100 e 200 americanos ainda estariam no Afeganistão, segundo Blinken, que anunciou a transferência para Doha das atividades diplomáticas e consulares de Cabul.
O movimento islamista herda um país devastado, apesar dos bilhões de dólares investidos pelos Estados Unidos, e com uma pobreza extrema, a seca e a ameaça jihadista.
Além disso, os novos governantes também terão que enfrentar os receios de grande parte da população, que teme um novo regime fundamentalista como o imposto entre 1996 e 2001, tristemente célebre pelo tratamento reservado às mulheres, a proibição das liberdade básicas e a brutalidade de seu sistema judicial. "Depois de fazer a jihad durante os últimos 20 anos, agora temos o direito de dirigir o próximo governo. Mas continuamos comprometidos com a formação de um governo representativo", insistiu Mujahid. (Com agências internacionais).
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