
O ex-boxeador Iwao Hakamata, 89, entrou para história como a pessoa que passou o maior período no corredor da morte em todo o mundo. Ele foi preso pelo assassinato de quatro pessoas em 1966, mas foi absolvido em um novo julgamento décadas depois, após sua defesa comprovar que as evidências contra ele haviam sido forjadas. Nesta segunda, o Tribunal Distrital de Shizuoka ordenou que Hakamata recebesse uma indenização de mais de 217 milhões de ienes (mais de R$ 8,2 milhões).
O QUE ACONTECEU
Hakamata ficou quase 50 anos preso. Ele ficou preso por 47 anos e sete meses —ou 17.389 dias— desde sua prisão em agosto de 1966 até sua libertação em março de 2014. Em cerca de 33 anos desse tempo ele ficou aguardando execução.
O Tribunal Distrital de Shizuoka, a oeste de Tóquio, decidiu indenizar Hakamata por conta do caso. Em janeiro deste ano, a equipe de defesa do japonês apresentou uma reivindicação de compensação ao tribunal. O argumento era que os quase 50 anos de condenação fizeram com que Hakamata perdesse décadas de vida e tivesse a saúde mental afetada.
O juiz concordou que ele teve prejuízos físicos e mentais "extremamente graves". O governo japonês será o responsável pelo pagamento da indenização. Segundo o portal japonês The Mainichi, a equipe jurídica de Hakamata planeja, ainda, abrir um processo contra a Prefeitura de Shizuoka e o governo nacional para responsabilizá-los pela condenação injusta que se arrastou por décadas.
Indenização será de 217.362.500 de ienes, a moeda local. O valor é equivalente a mais de R$ 8,25 milhões, conforme cotação atual. Segundo os advogados de defesa, este foi o maior pagamento já feito em um caso criminal na história japonesa. "É natural que a maior quantia de compensação criminal seja concedida em um caso de pena de morte em que a fabricação [de provas] foi reconhecida", disse um dos advogados de defesa, em coletiva concedida após a absolvição. Para o advogado, a justiça cometeu um delito grave que 200 milhões de ienes "não podem reparar".
RELEMBRE O CASO
Hakamata foi acusado de matar quatro pessoas: seu então chefe, a esposa deste e dois filhos do casal. Na época, Hakamata havia abandonado o boxe e trabalhava em uma fábrica de missô (tipo de pasta fermentada bastante utilizada na culinária japonesa). Uma noite, após um incêndio na casa do gerente da fábrica, os corpos foram encontrados com sinais de terem sido esfaqueados repetidamente. Hakamata, que morava no dormitório da fábrica e havia ajudado a apagar o incêndio com os vizinhos, foi preso como o principal suspeito.
O acusado admitiu os homicídios em um primeiro momento. No entanto, Hakamata modificou o depoimento e alegou que a sua confissão havia sido obtida por coação, com interrogatórios violentos por parte das autoridades. Durante 20 dias, o japonês foi espancado e impedido de dormir. No vigésimo dia, ele cedeu e assinou uma confissão, mas a retirou assim que o julgamento começou.
Os advogados de Hakamata alegaram que algumas das evidências apresentadas no julgamento tinham sido produzidas pela polícia ou pelos investigadores. Segundo a defesa, as roupas ensanguentadas encontradas no local não eram do acusado. O tribunal de Shizuoka, no entanto, condenou Hakamata à morte em 1968, uma sentença ratificada 12 anos depois pela Suprema Corte do Japão.
Somente em 2014 o tribunal admitiu ter dúvidas sobre a decisão. Na ocasião, evidências mostraram que o DNA encontrado nas roupas ensanguentadas não correspondia a Hakamata. O acusado foi solto para aguardar um novo julgamento, que só teria início em 2023, devido aos trâmites judiciais e à resistência da Promotoria, que insistia que Hakamata era o responsável pelas mortes.
Em setembro de 2024, o ex-boxeador foi absolvido. Por conta do estado de saúde frágil, Hakamata, então com 88 anos, não compareceu ao tribunal para ouvir pessoalmente o juiz o declarando inocente.
Pessoas próximas afirmam que Hakamata enfrenta sequelas psicológicas após passar quase cinco décadas no corredor da morte, muitas vezes isolado. No Japão, os condenados geralmente são avisados com apenas algumas horas de antecedência sobre a execução, feita por enforcamento, único método aceito no país. Portal The Japan News disse que a decisão destacou que Hakamata "foi detido por um longo período e que cerca de 33 anos desse tempo foram gastos aguardando execução. A dor mental e física que ele sofreu foi extremamente severa".
O caso virou um símbolo para os japoneses que lutam pela abolição da pena de morte. Para esta parcela da população, o caso de Hakamata é um indicativo que o sistema de justiça criminal japonês deveria ser alterado. No entanto, a pena capital tem amplo apoio no Japão, e os líderes políticos não indicam intenção de eliminar a possibilidade da sentença. No fim de 2023, o país tinha mais de cem condenados à morte em suas prisões.
*Com informações da AFP e da RFI