O poema Antologia, de Manuel Bandeira, é uma das mais belas expressões do Modernismo brasileiro, um movimento que trouxe para a literatura a busca pela autenticidade, pela simplicidade e pelo olhar para o cotidiano. Publicado originalmente no livro Belo, Belo (1948), o poema reflete a capacidade de Bandeira de capturar, com poucas palavras, a beleza escondida nos momentos mais simples e aparentemente banais da vida.
O poema é um diálogo lírico e intimista com a morte, uma das temáticas recorrentes na obra de Manuel Bandeira. Aqui, ele a chama de “a Indesejada das gentes”, personificando-a de maneira delicada e quase afetuosa, em um tom que mescla aceitação, serenidade e reflexão sobre a finitude da vida. Guimarães Rosa, em um de seus famosos dizeres, afirma: “A nossa morte está publicada em edital”. Essa frase sintetiza a ideia de que a finitude é inevitável e já está anunciada desde o momento em que nascemos. Rosa nos convida a compreender que a morte não é um evento inesperado, mas uma etapa natural que dá sentido à própria vida. Essa percepção encontra eco no poema de Bandeira, que reconhece a morte como algo inexorável e, ao mesmo tempo, algo a ser enfrentado com dignidade e preparo.
Um dos aspectos mais notáveis do poema é sua linguagem simples e despojada. Não há floreios ou exageros; tudo é direto e claro. Essa simplicidade reflete uma característica marcante da poética de Bandeira, que encontrou no cotidiano e nos gestos comuns o material para criar beleza. No verso “Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta”, o eu lírico se preocupa em deixar tudo em ordem, como se quisesse receber a morte com dignidade e respeito. Essa imagem evoca um senso de harmonia, de fechamento de um ciclo, em que tudo está em seu devido lugar.
O espírito André Luiz, através da psicografia de Chico Xavier, reforça essa visão em sua frase: “Uma existência é um ato, um corpo, uma veste, um século, um dia, um serviço, uma experiência, um triunfo, uma aquisição; e uma morte é um sopro renovador.” Aqui, ele nos lembra que a vida é transitória e serve como uma oportunidade para aprendizado e evolução. A morte, longe de ser um fim, é vista como uma renovação que permite novos recomeços em nossa jornada espiritual.
No poema de Bandeira, o dia e a noite funcionam como metáforas para a vida e a morte. A frase “O meu dia foi bom, pode a noite descer” traduz a aceitação do fim desde que a jornada tenha sido significativa. A noite, com seus “sortilégios”, não é algo temido, mas um momento de mistério e quietude. O mesmo sentimento é expressado por André Luiz, que enxerga a morte como uma transição, um “sopro renovador”, que abre espaço para novas vivências e possibilidades na perspectiva dos renascimentos.
Antologia é um poema que permanece atual porque aborda a mortalidade de maneira universal e profundamente humana. Bandeira não lamenta a morte; ele a recebe com serenidade e até com gratidão. Guimarães Rosa e André Luiz, cada qual em seu contexto, ampliam essa visão, trazendo à tona a ideia de que a morte, apesar de inevitável, não deve ser motivo de angústia, mas de reflexão e preparação. A mensagem que une essas obras e pensamentos é clara: viver bem, com propósito e dignidade, é a melhor maneira de preparar-se para o inevitável encontro com a “iniludível”. Assim, em cada detalhe do cotidiano, na organização da “mesa posta”, reside a essência da vida que, quando vivida em plenitude, torna a morte não um fim, mas um recomeço.