Um homem sem memórias não é ninguém. Se me perguntarem qual é o gosto da infância eu responderia esse título acima. Ou talvez outros, de tanto que eles enchem d’água a minha boca. Já beirando os sessenta, carrego comigo mil imagens, gostos e cheiros, que mal cabem em mim.
O cinema Casablanca, na rua 8, a rua do lazer. Entrando nele as duas da tarde. Depois de almoçar na casa do Waltinho e ir a pé para o centro de Goiânia. Comprar o ingresso e ao entrar sentir aquele cheiro doce de abacaxi. Nem sei mais qual filme. Mas a experiência é inesquecível.
A balinha cor amarela, mais puxada para o laranja. Quadradinha. Dura. Dura de arrancar obturação prateada dos dentes. Aquele gosto infindo de acidez, era demais! Sei que muitos aqui nem conhecem. Mas faço questão de descrever o prazer inenarrável de comer bala. Sou de uma geração de cariados, sem flúor, sem censura e apreciadores de balinha. Desde as mortais Soft (lenda urbana do menino que morreu engasgado com ela), passando pelas açucaradas Toffe (que minha esposa é capaz de matar por um saquinho só das de café) até as já universais e cinematográficas Halls. Um gelo adstringente na garganta.
Lanche no intervalo dos estudos, para depois assistir sessão da tarde. Lá vinha minha mãe com uma generosa jarra de K-Suco e uma bacia de mandiopã. Meu Deus! O sabor de camarão era algo precioso demais para se comer sozinho. Tudo que é bom deve ser dividido, ainda mais o alimento. Repartido entre mim, o Alberto Chaer e o André Schmidt. Mandiopã não é algo que se come pouco e muito menos aos poucos. Sua crocância impagável leva você aos maiores instintos devoradores do universo. Enchíamos a mão e nos fartávamos. Obesidade? No meu tempo o máximo que alguém ficava era gordinho...Corríamos tanto, jogávamos tanta bola pelos quintais e lotes baldios que seria impossível ganhar peso.
Depois é que descobri que mandiopã é feito de... mandioca! Haviam também os sabores de queijo e bacon. Caixas diferentes, claro. Ele foi o único salgadinho que em toda minha vida conseguiu rivalizar com a pipoca. Não destronou o meu amor pelo milho espocado. Mas foi quase. Cansei de ver Viagem ao Fundo do Mar, Perdidos no Espaço, Terra de Gigantes e Túnel do Tempo, entupindo-me de mandiopã. Nos intervalos, estudava.
Na cantina da mãe do Augusto, no Externato São José, reinava um doce entre tantos outros. A Maria-Mole. Guloseima brasileira por excelência. Assim como ópera, ou você ama ou você odeia. E tem dezenas de variações sobre o mesmo tema: clara de ovos, gelatina e discreta camada de coco ralado por cima. Uma Maria-Mole caída no chão é quase pecado mortal. Pois você sabe que qualquer sujeirinha gruda nela, mas não dá para desperdiçar. Comíamos, mesmo que escapasse de nossas ávidas mãos. Lembro-me bem da diferença entre o que é esponjoso e do que é grudento.
Primeiro é o formato tradicional, compridinho, parecendo pepino-do-mar. E com aqueles sulcos tal e qual os churros (que também merecem um capítulo à parte) que eu só vi muitos anos depois na Pecuária e no Supermercado Alô-Brasil. Mas a consistência é que o segredo do doce. Mole. Mole de ter que dar uma mordida grande, para poder encher a boca inteira dela. E falar de boca cheia, espirrando um pouco de coco ralado. Alegria louca!
Daqui a pouco vou assistir novamente Guerra nas Estrelas, que vi a primeira vez aos 14 anos. Juntei Maria Mole e Mandiopã e sentindo-me o bonitão da bala Chita, vou sentar e ver. Quando menino eu achava que era o Skywalker, depois de adulto me identifiquei com o Han Solo. Mas hoje sei que sou Yoda. Revertendo a ordem das frases, dos sabores e gostos e envelhecendo com sabedoria e fome de doces.