Uma multidão, cujo silêncio se quebrava por soluços e muitas lágrimas de dor e saudade. Era 23 de agosto de 1976. Ao lado do empresário João Custódio dos Santos, amigo íntimo de Juscelino Kubitschek, eu assistia aos últimos atos de despedida do construtor de Brasília.
Recordar-se da figura de JK é reviver a época de um Brasil próspero, quando as pessoas pareciam confiantes em seu dirigente, por isso, acreditando que dias melhores viriam.
A imagem de Juscelino Kubitschek liga-se, inescapavelmente, a sua maior obra – a transferência do Distrito Federal para o Cerrado brasi-leiro, com a construção de Brasília, uma ousadia que custaria caro para as finanças nacionais.
Porém, esse "salutar desatino" serviria para marcar um momento de impulso e modernidade de um Brasil que precisava crescer e encontrar o passo do desenvolvimento.
Conheci JK em 1975, acompanhado do ex-deputado federal Anapolino de Faria. Visitamos o ex-presidente da República na sua fazenda, em Luziânia, quando estava com seus direitos políticos cassados pelos militares, então no poder.
JK era uma figura envolvente, de impressionante carisma. Risonho, a simplicidade em pessoa, humildade temperada por sabedoria e pelo tratamento igualitário que dispensava aos seus interlocutores qualquer que fosse sua condição social, política e financeira.
A visita, que seria de duas horas, durou quase seis. Em nenhum instante o ex-presidente demonstrou mágoa ou qualquer ressentimento com relação às perseguições sofridas.
Preso, cassado, humilhado, tendo amargado o exílio, JK continuava temido pelos militares que receavam a sua volta ao poder.
Em 1975, 11 anos depois de instalada a ditadura militar, Goiás, como todo o restante do País, vivia sob a sombra do medo de um regime de exceção.
Assim, não era de se estranhar que poucos líderes políticos se identificassem como oposição. Destacavam-se nomes como Henrique Santillo, Derval de Paiva, Anapolino de Faria, Juarez Bernardes, Lázaro Barbosa, João Felipe, professor Eduardo Almeida, Assis Brandão, Dário de Paiva, Durval Milhomem, Iturival Nascimento, Iram Saraiva, João Divino Dorneles, Clepino Araújo, Fernando Cunha, Ademar Santillo, Luiz Soyer, José Avelino da Rocha, João Neto de Campos, Genervino Evangelista da Fonseca, Jacy Neto de Campos, Osório Leão, Sebastião Ramos, Tobias Alves.
Como lideranças municipais sobressaíam-se Modesto de Carvalho, em Itumbiara, e José Rodrigues de Queiroz (Zé Gordo), em Cristalina e José Gomes de Oliveira, em Bom Jardim de Goiás, entre outros.
JK, além de ser uma figura respeitável, gozava do apreço até mesmo de antigos adversários políticos Tão logo soube da morte de JK, o jornalista Carlos Lacerda, um dos mais ferrenhos adversários de Juscelino Kubitschek, em artigo para edição especial da revista Manchete, em 1976, afirmou: "Foi um homem maior do que os seus erros. A encarnação da cordialidade brasileira, que Deus não permita que desapareça desse imenso País, cuja unidade depende muito mais do entendimento e da inteligência do que do rancor e da intolerância. A dificuldade maior de se opor a Juscelino Kubitschek de Oliveira foi esquecer, por dever público e fidelidade a princípios, a envolvente simpatia e a capacidade de compreensão de sua extraordinária personalidade: ele foi exemplo de ambição e ao mesmo tempo de solidariedade humana".
O mesmo Carlos Lacerda destacaria linhas depois, no trecho que soaria como espécie de profecia para os tempos atuais, quando observou: "A história do Brasil está sendo: desfigurada pelo ódio, pela intolerância, pela ignorância, pela estupidez. Mas a inteligência há de prevalecer, pois é também humilde, ainda que pareça insolente".
Em 1976, ao assistir ao seu enterro em Brasília, é como se um pedaço de mim tivesse se imobilizado definitivamente, ao vê-lo descer a sepultura, senti que com ele se enterrava as esperanças em um Brasil pujante, com políticos dignos de que o País hoje está carente.
(Luiz Alberto de Queiroz, advogado e escritor. Autor dos livros O Velho Cacique (8ª edição) – sobre Pedro Ludovico Teixeira; Memorial de um Rebelde (2ª Edição) (UDN x PSD); Chão de Lutas; Olímpio Jayme – Política e violência em tempos de chumbo, entre outros)