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OPINIÃO

A “operação Dom Bosco”

No dia 03 de maio de 2006 ocorreu o cinquentenário da “Operação Dom Bosco”, manobra política citada pelos mudancistas goianos Germano Roriz e Segismundo de Araújo Melo e o governador do Estado de Goiás, José Ludovico de Almeida, para assegurar a construção da Capital Federal no Planalto Central Brasileiro, como determinava o Artigo Terceiro da Primeira Constituição de República em 1891.

Apesar de toda a “Operação Dom Bosco” estar elucidada pelo historiador brasiliense Lourenço Fernando Tamanini, com depoimentos e documentos inquestionáveis, o Governo do Distrito Federal, as academias literárias, as instituições históricas, o comércio, a indústria e a imprensa mantém como verdadeira uma predição que Dom Bosco não fez.

No sonho, o educador italiano – posteriormente santificado pela Igreja Católica – jamais falou sobre a nova “Capital Federal no Planalto Central do Brasil”, mas sim, “Quando se vierem escavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui à terra prometida onde correrá o leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.

A predição-sonho situava a “terra prometida” entre os paralelos 15 e 20, próximos dos mapas seiscentistas do colonialismo português e espanhol que situavam a “Lagoa Dourada” e o “Eldorado”, procurados pelos bandeirantes e outros “soldados da fortuna” por mais de dois séculos e que podem ser vistos e pesquisados no “Museu das Bandeiras” em São Paulo.

Antecedentes

Antes que cheguemos a relatar o que foi a manobra dos mudancistas goianos, deslindada por Lourenço Tamanini em seu volumoso livro Brasília Memória da Construção, cabe-nos remontar todos os antecedentes políticos e históricos que precederam ao “Sonho de Dom Bosco” e que não estão contidos no primoroso trabalho do historiador.

Os primeiros movimentos nativistas pela transferência da capital, do litoral para o interior brasileiro, foram iniciados na então província colonial das Minas Gerais, pelo herói da nacionalidade, Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes: pretendia ele que a nova capital fosse sediada em São João Del Rey. Contudo, o mérito da escolha do Planalto Central Brasileiro como local ideal para futura transferência deve-se tributar ao cartógrafo italiano Francesco Tosi Colombina, que, em 1749, elaborou uma “Carta de Goiás e das Capitanias Próximas”, sugerindo a mudança da capital do litoral para essa região.

Após a repressão a Tiradentes e seus companheiros, o ideal mudancista é retomado duas décadas depois por Hipólito José Costa, que editou e fundou, no seu exílio, em Londres, o Jornal Correio Braziliense.

Em 1823, José Bonifácio encaminha à Assembleia Geral Constituinte do Império um memorial no qual indica a região de Paracatu, Minas Gerais, como ideal para construção da nova capital, sugerindo, inclusive, o nome de “Brasília”.

Um ano depois, nos autos da Revolução Pernambucana (Confederação do Equador) é sugerida a transferência, mas só em 1831, por iniciativa do deputado paraense João de Deus e Silva é encaminhada a primeira proposição em forma de projeto legislativo para a “escolha de um ponto central do país para a edificação da futura Capital”.

Por 20 anos, a luta mudancista esmaece no Poder Legislativo, até que, em 1852, o senador piauiense Holanda Cavalcanti, Visconde de Albuquerque, apresenta um projeto de lei que autoriza o levantamento de um terreno, nas latitudes entre 10 e 15 graus, para servir de território destinado à localização da futura “Capital do Brasil” entre os rios São Francisco, Maranhão e Tocantins.

No ano seguinte, o senador João Lustosa da Cunha Paranaguá, o segundo Marquês de Paranaguá, apresenta um projeto legislativo transferido a capital do Rio de Janeiro para Monte Alto, no interior da Bahia.

De 1853 a 1889, a mudança da Capital, do litoral para o interior brasileiro, desaparece das discussões parlamentares, aparecendo, apenas, nas discussões e comícios dos clubes republicanos.

Na República

Com a derrubada de Dom Pedro II e a instalação do Regime Republicano, as lideranças positivistas fazem constar, nas primeiras discussões nas comissões da Constituição Provisória, a determinação da transferência da capital da nascente república.

O primeiro constituinte a se manifestar em plenário, em defesa da mudança, ironicamente, foi o deputado Thomaz Delfino, do Rio de Janeiro, destacando-se, ainda, nas sessões plenárias o senador baiano Virgílio Damásio e o deputado paraibano Pedro Américo, o Pintor.

Pedro Américo aduziu, em sua argumentação pela transferência, a questão moral, afirmando, em plenário, no dia 17 de janeiro de 1890: “É absolutamente necessário suprimir-se, quanto antes, a maléfica influência desta terrível cidade (Rio de Janeiro) tão saturada de elementos nocivos à vida moral da Nação que acostumou-se à contínua absorção, à endosmose intelectual do que se expande a antiga Capital do Império. Esses elementos influem, igualmente, sobre o Governo da União, pela pressão constante dos interesses puramente individuais e sobre todo o País, pela expansão incessante da corrupção em todos os sentidos.” Coube ao senador baiano Virgílio Damásio o mérito de ter a iniciativa pioneira de apresentar à “Comissão dos 21” (que examinava o anteprojeto constitucional) uma emenda propondo a transferência da Capital.

A “Comissão dos 21” não aprovou a emenda do senador Virgílio Damásio e ele a reapresentou em plenário, propondo até que a nova capital se chamasse “Tiradentes”. A emenda que originou o artigo 3º da Constituição de 1891, apresentada pelo deputado catarinense Lauro Muller e subscrita por noventa parlamentares, dentre os quais cinco goianos, os senadores Antônio Amaro da Silva Canêdo e Antônio da Silva Paranhos, e os deputados Joaquim Xavier Guimarães Natal, Sebastião Fleury Curado e José Leopoldo de Bulhões Jardim, teve talvez a mais breve de todas as defesas em plenário: Lauro Muller falou apenas um minuto, deixando como justificativa de um terço dos constituintes, o documento elaborado pelo historiador e diplomata Francisco Adolfo Varnhagen, além de justificar a convivência da mudança da Capital para o Planalto Central Brasileiro, indicava a posição que julgava ideal, situada hoje em Planaltina, Distrito Federal, e nos municípios goianos de Formosa e Água Fria.

Aprovada e promulgada a Primeira Constituição Republicana, o seu Artigo 3º dispunha: “Fica pertencente à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será, oportunamente, demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal.”

Mudancistas

Por uma questão de justiça histórica, desde a primeira constituição republicana, os militares brasileiros – no que trata da observância à constituição, em relação à mudança da Capital Federal – sempre emprestaram todo apoio à mudança. Floriano Peixoto nomeou Luiz Cruls e a Comissão que demarcou e delimitou o quadrilátero de 14.400 quilômetros quadrados no Planalto Central.

Prudente de Morais, o primeiro presidente civil, fez o inverso, desrespeitou o primado constitucional e sabotou orçamentária e administrativamente Luiz Cruls, para que ele não concluísse a segunda fase do trabalho.

Iniciava-se a Primeira República e a hegemonia do “Café-com-Leite”, e nem os políticos de Minas Gerais e de São Paulo queriam a mudança.

O único lugar do País onde a chama mudancista se mantinha viva era na então Santa Luzia, hoje Luziânia, sob a liderança agregadora de Evangelino Meireles.

Passaram, então, a formular ações políticas para reavisar o movimento e Americano do Brasil, recém-eleito deputado federal, apresenta um anteprojeto de lei que determinava a edificação no Planalto Central de um marco onde seria edificada a nova Capital do Brasil. O projeto foi aprovado e, no dia 7 de setembro de 1922, foi inaugurado o marco em Planaltina como comemoração do Centenário da Independência.

Como ações complementares, além da edição de jornais, Gelmires Reis, então Intendente Municipal de Santa Luzia, hoje Luziânia, fez um loteamento denominado “Planaltópolis” e distribuiu, em escritórios nas principais cidades brasileiras, “lotes para quem quiser morar onde será edificada a futura Capital Federal”.

Novamente, o “Movimento Mudancista” entra em declínio na frente parlamentar e, a partir de 1930, o “grupo de Santa Luzia” muda de tática e empresta o seu apoio à mudança da nova capital do Estado de Goiás. O deputado estadual Sebastião Machado, eleito por Santa Luzia, integra-se no bloco mudancista que apóia Pedro Ludovico, e Germano Roriz muda-se para a capital em construção, sendo o primeiro funcionário público federal de Goiânia e a primeira família da nascente cidade, sendo, ainda, o seu filho Goiany Segismundo Roriz a primeira criança a nascer e a ser registrada e batizada na nova capital do Estado de Goiás.

Goiânia é, então, colocada pelo “Grupo de Santa Luzia” como alternativa para sediar a Capital Federal e a cumprir o dispositivo constitucional.

Vem a Ditadura do Estado Novo e Getúlio Vargas manda retirar da “Polaca” o Artigo 3º que vinha desde a primeira constituição republicana de 1891.

Com a democratização em 1946, morava no Rio de Janeiro, o advogado Segismundo de Araújo Mello – do Grupo de Santa Luzi – que passa a desenvolver, juntamente com o deputado goiano Diógenes Magalhães, um trabalho de articulação política para reinserção do Artigo 3º da Constituição de 1891 junto à Assembleia Nacional Constituinte.

Promulgada a Constituição e eleito o Presidente da República, marechal Eurico Gaspar Dutra, ele cumpriu o primado constitucional: cria a comissão presidida pelo general Djalma Polli Coelho, para promover os estudos para a escolha do local a ser edificada a nova capital.

Inicia-se aí a luta entre os goianos – representados, na Comissão Polli Coelho, por Jerônimo Coimbra Bueno – o construtor de Goiânia – e pelos mineiros, capitaneados na comissão por Lucas Lopes e, na Câmara dos Deputados, pelos constituintes mineiros Juscelino Kubitschek de Oliveira e Israel Pinheiro.

Os mineiros pretendiam localizar a nova capital no Triângulo Mineiro, nas proximidades do Delta do Rio Paranaíba, e o general Polli Coelho e Coimbra Bueno, no quadrilátero delimitado por Luiz Cruls, em 1892, no Planalto Central.

Por um voto, a Comissão Polli Coelho delibera que os estudos de Luiz Cruls e seus companheiros eram cientificamente corretos, aconselhando o presidente Eurico Dutra a transferir a Capital Federal para o Quadrilátero Cruls.

A campanha mudancista toma novo alento no Planalto com a ação vigorosa de Coimbra Bueno no Senado Federal e da bancada goiana na Câmara dos Deputados.

Com a eleição de Getúlio Vargas, passa a ser o chefe do seu gabinete militar o general Agnaldo Caiado de Castro. Vargas o nomeia para presidir a Comissão de Localização da Nova Capital Federal. O general Caiado de Castro contrata, então, a empresa americana Donald Belcher para fazer os mapas do levantamento aerofotogramétrico do Quadrilátero Cruls, feito pela Cruzeiro do Sul, a fim de que fosse o local para a edificação da Capital Federal.

Getúlio Vargas suicida-se e Café Filho, seu vice-presidente, ocupa a Presidência da República e nomeia, para substituir o general Agnaldo Caiado de Castro, o marechal José Pessoa. Este, acompanhado do seu Ajudante-de-Ordens, capitão Ernesto Silva, vem ao Planalto Central no dia 5 de fevereiro de 1955 e escolhe o Sítio Castanho, o marechal Pessoa volta ao Rio de Janeiro e pede ao presidente Café Filho a edição de um decreto desapropriando terras e considerando-as de utilidade pública para a edificação da nova capital.

Café Filho que era da União Democrática Nacional – UDN, contrária à transferência, nega-se a baixar o decreto. O marechal José Pessoa embarca em um avião da Força Aérea Brasileira no Rio de Janeiro, no dia 29 de abril de 1955, em direção a Goiânia, para falar com o governador José Ludovico de Almeida e expor-lhe o impasse.

José Ludovico de Almeida recebe, em audiência, o marechal José Pessoa e o capitão Ernesto Silva e é sensibilizado pelo marechal para que o Estado de Goiás tomasse a iniciativa, senão a Constituição não seria cumprida e a capital não seria transferida.

O governador Juca Ludovico chama Segismundo de Araújo Mello, Jorge de Morais Jardim e outros assessores, que passam a elaborar o decreto que romperia o impasse.

Embora tivesse minoria na Assembleia Legislativa de Goiás, e a mensagem tivesse que passar por três votações, Juca Ludovico envia as mensagens que são aprovadas. Por cautela, a fim de evitar qualquer querela jurídica, o decreto foi assinado no dia 1º de maio de 1955, mas com a data de 30 de abril. Altamiro de Moura Pacheco é nomeado presidente da Comissão de Cooperação da Mudança da Capital Federal que iria promover as compras e as desapropriações e Segismundo de Araújo Mello, consultor jurídico.

Os goianos capitaneados por Juca Ludovico fazem à história avançar, e passam a preparar as condições objetivas, vinte e seis dias antes de Juscelino Kubitschek ser interpelado por Antonio Soares Neto – o Toniquinho, no seu primeiro comício de campanha em Jataí, “se cumpriria a Constituição e transferiria a capital para o Planalto”.

O Sonho

Segundo Lourenço Tamanini, em pesquisa que durou mais de uma década, mesmo tendo Juscelino Kubitschek enviado a “A mensagem de Anápolis”, em 19 de abril de 1956, criando a Novacap e deslanchando o processo de construção de Brasília, os goianos “agitaram-se”, preocupados. Sabiam que projeto de lei criando a Novacap definia, no planalto de Goiás, o local da nova capital. Mas conheciam, por outro lado, o poder de fogo dos mineiros e temiam que, à última hora, conseguissem aprovar, na Câmara, uma emenda ao projeto, de Tupaciguara, como sempre quisera Israel Pinheiro.

Segundo ainda Tamanini, os goianos sabedores que Juscelino e Israel Pinheiro iriam à Exposição de Gado de Uberaba reuniram-se com prefeitos e lideranças políticas, “armaram uma pequena operação de guerra”.

Relata Tamanini em seu livro Brasília Memória da Construção. “Havia em Uberaba, naquele tempo, um único jornal (Lavoura e Comércio) e uma única emissora de rádio. Ambos pertenciam a Quintiliano Jardim, amigo de Juca Ludovico, governador de Goiás. Juca comunicou-se com Quintiliano e ‘comprou’ todo o espaço do jornal e o tempo da emissora, referente ao dia 29 de maio de 1956, data em que Juscelino estaria na cidade. Os meios de comunicação foram assim neutralizados.”

Venerando de Freitas Borges (o primeiro prefeito de Goiânia) – prossegue Tamanini encarregou-se de curiosa missão, como adiante se verá. Seguiu cedo, no dia 3 de maio para Uberaba na comitiva do governador Ludovico.

Na cidade mineira, Israel se hospeda no Grande Hotel, mas Juscelino aceitara ficar na residência do Prefeito, que se chamava João e era por todos conhecido como “João Prefeito”.

“Nesse meio tempo, Venerando Borges – estende-se Tamanini – se dirigia ao Grande Hotel e ali aguardava, no hall de entrada, que Israel Pinheiro aparecesse. Trazia consigo um livrinho, uma brochura, cujo título era A Nova Capital do Brasil – Estudos e Conclusões. Esse livro fora preparado, algum tempo antes, por determinação do governador Ludovico, e reunia os pronunciamentos da futura capital só poderia ser no Planalto Goiano. Encarregado de reunir, de compilar todo esse material e com ele produzir o livro, Segismundo de Araújo Mello lembrou-se de incluir na coletânea, como peça de abertura, o sonho visão de Dom Bosco.”

Tamanini avança em seu relato: “Era do conhecimento de todos a devoção de Israel a Dom Bosco, o que se confirmaria mais tarde, quando determinou que a primeira edificação de Brasília fosse uma capelinha (a Ermida) dedicada àquele Santo. Tinha-se, por isso, a certeza de que Israel viesse a saber que Dom Bosco antevira o surgimento de Brasília no Planalto Goiano e não em Minas, deixaria de lado a teimosia e passaria a apoiar a solução goiana.” Como fazer chegar, entretanto, às mãos de Israel, sem o carimbo de ‘endereço certo’, o providencial livrinho?

Atento, o prefeito de Goiânia, quando Israel apareceu no hotel, entrou com ele no elevador, como se fosse outro hóspede qualquer, segurando o livrinho junto ao peito de tal modo que Israel pudesse ler o título, A Nova Capital do Brasil. Quando Israel viu o livro, não se conteve e pedia: – Ô moço, você podia me emprestar esse livro? Venerando Borges ofereceu o livro a Israel: doutor Israel, eu tenho outro exemplar, pode ficar com esse.

Selava-se, naquele momento, com a entrega do livro, a rendição do último baluarte de resistência, e os goianos puderam respirar aliviados e voltar para casa.

A Tradução

Na minuciosa pesquisa de Lourenço Tamanini, ele afirma que o primeiro a mencionar o “Sonho de Dom Bosco” foi Monteiro Lobato, em 1935, no Diário de São Paulo, em matéria com o título “Até os santos afirmam que há petróleo no Brasil”.

Muitos anos depois, ainda segundo Tamanini, quando Juca Ludovico deu a Incumbência a Segismundo de Mello para preparar o livrinho, entregue a Israel Pinheiro por Venerando de Freitas Borges, ele procurou Alfredo Nasser para se inteirar de um artigo que ele fizera em defesa da transferência da capital, citando o Sonho de Dom Bosco. O ex-senador Alfredo Nasser não se lembrou do artigo e nem da fonte.

Agora segue o relato de Tamanini: “Recorreu Segismundo ao seu cunhado Germano Roriz, grande amigo dos salesianos, e por intermédio dele obteve do padre Cleto Calimam, daquela Congregação e diretor do Ginásio Anchieta, de Silvânia (cidade do interior de Goiás), uma cópia do sonho, com sua tradução para o português:

Ao ler a tradução, Segismundo se decepcionou um pouco. O que havia no sonho, que talvez dissesse respeito à construção da capital no Planalto, resumia-se a um trecho não muito explícito: “Entre os graus 15 e 20, aí havia uma enseada bastante extensa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Nesse momento disse uma voz repetidamente: Quando se vierem a escavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui a terra prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.”

Conta padre Cleto Calimam – ao ser entrevistado por Tamanini em 1982 – que Segismundo Melo, depois de ler, lhe perguntou: “Padre Cleto, aqui não está bem sintetizado o problema da futura capital. Dom Bosco se refere à riquezas incalculáveis e à formação de um lago. O senhor poderia dar um jeito para que a visão tivesse mais um sentido de cidade, de civilização?”

Segundo o sacerdote, sua resposta foi a que talvez pudesse fazer alguma coisa, mas correriam por conta e risco de Segismundo as consequências.

Antes da impressão do livro, Segismundo teve tempo de refletir e decidiu que o texto seria reproduzido de acordo com o original, a fim de resistir a qualquer confronto; mas o livrinho publicaria uma foto de Dom Bosco e, na legenda, então se diria algo mais...

E assim foi feito. Na legenda, se escreveu, conforme ficou dito: “São João Bosco, que profetizou uma civilização, no interior do Brasil, de impressionar o mundo, à altura do paralelo 15º, onde se localizará a nova Capital Federal.”

E Lourenço Tamanini conclui: “Essa expressão, ‘uma civilização de impressionar o mundo’, que não consta do sonho nem foi usada por Dom Bosco hora nenhuma, acabou por se transformar na síntese ‘oficial’ do sonho-visão, a ela se reportando, expressamente, com pequenas variações, todos quanto ao sonho já se referiram, ligando-o à construção de Brasília.”

Lourenço Tamanini com seu livro Brasília Memória da Construção traz uma contribuição inestimável à história, e coloca, no proscênio, atores sociais que merecem destaque como José Ludovico de Almeida, Germano Roriz, Segismundo de Mello, José Peixoto da Silveira, Venerando de Freitas Borges, o marechal José Pessoa, Ernesto Silva, Israel Pinheiro e o condutor de sonhos, Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Dos goianos já se disse que “são mineiros que fugiram para o mato”, mas neste episódio singular de engenharia política fica um axioma pedagógico: “Maior é o mestre que ensina aos seus alunos tudo o que sabe sem ter o medo de ser superado.”

Os mineiros têm há priscas eras a fama de mestres em política, mas, nessa, os goianos colocaram grau como doutores.

A Ditadura Civil e Militar de 1964 utilizou a “Operação Dom Bosco” para fazer esquecer a decisão político e administrativa do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira de construir Brasília, cantilena que até hoje persiste nas bocas de pseudo historiadores e governantes, parlamentares e os mais variados segmentos culturais, repetindo que a Capital da República e a luta do povo brasileiro para a interiorização da Capital Federal deve-se ao “Sonho” do educador italiano.

(Jarbas Silva Marques, jornalista, professor e historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF)

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