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OPINIÃO

Será que fazemos parte de um reality show?

Às vezes fico constrangido quando ao entrar no elevador do meu prédio, passar frente às lojas, entrar no supermercado, passar por um posto de gasolina, sentar numa mesa de restaurante ou de num mero boteco, vejo à minha frente um pequeno adesivo e a seguinte frase: “Sorria, você está sendo filmado.” Posso ser sincero? Já olhei fixamente pra câmara e mostrei sorrisos amarelos, sarcásticos e outras vezes, de forma mais educada, a mão, e fiz sinais de “positivo”. Não cheguei a mostrar a língua para quem estava me observando atrás dela porque sou uma pessoa educada, mas que constrange, constrange.

Quando entramos num Shopping, então é um horror! Quantas câmeras espalhadas pelos corredores e lojas que seguem os meus passos. E o pior é que algumas seguem mesmo! Parece que o corpo da gente tem uma ima. Ela vira, vira... Pensei: “Será que elas estão reparando o meu jeito de trajar, a minha beleza, o meu porte físico ou os meus cabelos grisalhos?” A verdade é que a gente fica sem saber como agir e acabamos ficando meio sem jeito ao ver a nossa imagem exposta nas telinhas que ficam numa enorme sala, no último pavimento. Certo dia, por curiosidade, fui lá confirmar e me deu arrepios!

No meu entendimento essa mania de participar demais da vida dos outros, de querer fazer as pessoas viverem como se estivéssemos em um Big Brother, está fazendo com que a gente deixe de viver nossas próprias vidas e percamos alguns valores. Será que estou exagerando? Eu, pelo menos, evito assistir a reality shows, no entanto, me sinto dentro de um, vigiado quase vinte horas por dia, todos os dias da semana. Ainda bem que nos banheiros não existem câmeras. Ou existe?

Quando saio para a minha caminhada matinal, entro no elevador e lá está a mesma frase e câmera de formato arredondada, mas não ligo, eu desço com um sorriso no rosto e até canto uma música para relaxar, canto baixinho, mas canto. O meu sorriso é para atender o desenho que está colado dentro do elevador que pede: “Sorria, você está sendo filmado.” Olho para a câmara e escancaro... Um sorriso. O porteiro do prédio acompanha o movimento dos meus lábios pela câmera, e quando passo por ele na portaria ele diz: “Tá feliz hoje, hein patrão!? Sorrindo e cantando em plena crise?” Respondo calmamente: “Estava apenas massageando a face.” É demais, não, caro leitor?

A única diferença entre eu os participantes de um programa onde indivíduos ficam confinados numa casa chique sem fazer nada o dia inteiro é que, além da gozação do porteiro, não ganho nada, no entanto, eles podem sair da frente das câmeras e se tornarem milionários, e os que não ficam lá até o final do programa ganham carro, viagem e até apartamento... E eu ganho o quê? Ganho sim! Uma gozaçãozinha do porteiro, e no bolso, o mesmo surrado dinheiro. A mim ninguém pede autorização para participar do Big Brother do dia a dia, e ainda tenho que sorrir cada vez que leio a frase que me persegue sem ganhar nenhum trocadinho.

Entretanto, quero dizer aqui que não sou totalmente contrário a esses métodos modernos quando se trata de garantir a segurança pública, mas entendo, porém, que deviam existir mais policiais bem remunerados e bem treinados, e em quantidade suficiente para monitorar as ruas. Mas fanatismo não é comigo. Ultimamente tenho me constrangido com um procedimento que está se tornando comum nos “prédios inteligentes”, todos eles compostos de escritórios e consultórios médicos. Falo dessa mania irritante de nos ficharem na recepção. É tanta a burocracia que deixei de ir a certo médico, pois antes do elevador existe uma catraca e antes dela, as recepcionistas que, se não bastasse me pedir documentos, também nos fotografam usando uma pequenina máquina digital e olha que meu nome já tinha sido cadastrado no computador do prédio várias vezes. Não deve ser muito diferente de entrar num presídio, só que eu não estava visitando uma penitenciária de segurança máxima, queria apenas ir ao consultório médico.

Não tenho nada contra as recepcionistas, pois sei que estavam ali apenas cumprindo ordens, não obstante existir em mim resquício de espírito selvagem, que cada pessoa humana tem, pudesse aflorar-se em mim cada vez que adentrasse naquele prédio e ainda ver a bendita placa avisando: “Sorria, você está sendo filmado!” Lá não sorria mais, apenas ria de mim mesmo. Eu não era e nem sou grosseiro, fazia e faço de tudo para me manter calmo principalmente quando passava nas catracas daquele prédio onde tinha que enfiar um cartão senão ela não se movia, sem falar, é claro, das portas giratórias e intimidatórias dos bancos, onde aquela câmara à entrada vasculha até a alma da gente. Aquela danada não perdoa nem se você tiver um clipe no bolso e muito menos marca-passo. Sei que vivemos em tempos difíceis e paranóicos, sei que todo esse aparato serve para identificar criminosos, mas cá entre nós: é uma praga essa histeria com segurança. Daqui a alguns anos essa vigilância insana vai se tornar mais desconfortável do que ser gentilmente assaltado por um bandido. Paz e bem.

(Vanderlan Domingos de Souza, advogado, escritor, missionário e ambientalista. É vice-presidente da União Brasileira dos Escritores; membro da Academia Morrinhense de Letras; membro da Alcai – Academia de Letras, Ciência e Artes de Inhumas. Foi agraciado com Título Honorífico de Cidadão Goianiense. Escreve todas as quartas-feiras para o Diário da Manhã)

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