A paciência do povo palestino está praticamente esgotada e motivos não faltam. Entre os principais, o desprezo do governo de Benjamin Netanyahu pelas negociações de paz cobradas pela comunidade internacional, a segregação cada vez maior dos palestinos, as tentativas de cassar os direitos políticos dos árabes israelenses, o crescimento do extremismo e do terrorismo dos colonos judeus da Cisjordânia e a impunidade de seus milhares de agressões anuais a palestinos e suas propriedades que culminaram com o ataque de 31 de julho no qual a família palestina Dawabsha morreu queimada.
A vitória simbólica representada pelo hasteamento da bandeira palestina em frente à sede da ONU pouco ajuda o fragilizado governo de Mahmoud Abbas, cujas receitas estão sujeitas à retenção arbitrária de Israel e está sendo pressionado pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional a cortar até as despesas de saúde.
Exasperado pela continuidade da ocupação israelense em toda a Cisjordânia apesar das promessas de devolução gradual de territórios dos anos 1990 e pela ausência de negociações, está pronto a jogar a toalha. Declarou em 30 de setembro que os acordos de Oslo de 1993 foram anulados na prática e Israel precisa assumir sua responsabilidade como potência ocupante e os gastos sociais com a população dominada.
A desesperança e a falta de canais pacíficos de protesto e negociação desembocam em uma nova revolta palestina ou Intifada (“sacudida” em árabe). Foi a Primeira Intifada (1987-1993), deflagrada pelo atropelamento proposital de quatro palestinos por um caminhão militar israelense, que os acordos de Oslo tentaram pacificar.
Como se sabe, seu signatário israelense Yitzhak Rabin foi assassinado em 1995 por um extremista judeu inspirado pelo movimento radical fundado pelo rabino estadunidense Meir Kahane (1932-1990) e desde então Tel-Aviv derivou cada vez mais à direita, com cada vez menos intenção de fazer concessões.
Em 2000, a Segunda Intifada foi deflagrada pela visita ostensiva do então líder da oposição conservadora Ariel Sharon à mesquita Al-Aqsa no Morro do Templo, interpretada pelos palestinos como um passo para sua demolição e substituição por um Terceiro Templo judeu, como exige o movimento hoje liderado pelo rabino Yisrael Ariel.
A revolta durou até 2005 e deu ocasião à ascensão de Sharon ao governo em 2001, à operação repressiva “Escudo Defensivo” de 2002, que deixou 500 mortos na Cisjordânia e à morte suspeita de Yasser Arafat em 2004. Foi encerrada em 2005 com a cúpula de Sharm el-Sheikh, na qual Sharon concordou em reduzir a atividade militar e retomar negociações com o recém-eleito presidente Abbas.
A violência vem crescendo desde agosto. Assim como os meios de comunicação relutaram em falar de “guerra civil” na Síria mesmo quando os mortos se contavam aos milhares, ainda resistem a falar da Terceira Intifada, mas esta já é realidade.
Em 16 de setembro, após a morte de um judeu de 64 anos por ataque cardíaco depois de seu carro ser alvejado por uma pedra e bater num poste, Netanyahu endureceu as penas contra ataques de pedras, mesmo por menores, a ponto de praticamente equipará-los a assassinatos e dias depois autorizou soldados a usar armas letais contra os que as atirarem, enquanto o governo tratava de bloquear a promoção de juízes considerados lenientes para com os palestinos.
Ao invés de conter a revolta, as medidas repressivas a estimularam. Em 1º de outubro, um casal de colonos israelenses foi assassinado na Cisjordânia, supostamente por uma célula do Hamas cujos integrantes foram presos. No sábado 3, dois judeus foram esfaqueados por um jovem árabe em Jerusalém Oriental e no dia seguinte, um jovem palestino morto por soldados israelenses.
Na segunda-feira 5, um soldado israelense matou um menino palestino de 13 anos em Belém. Na quarta-feira 7, houve pelo menos três incidentes graves. Uma jovem palestina foi morta a tiros em Jerusalém após supostamente ter tentado esfaquear um judeu; uma colona judia teve seu carro apedrejado na Cisjordânia e um jovem que teria participado do ataque foi baleado; e no sul de Israel um palestino foi morto depois de tentar tirar a arma de um soldado e esfaqueá-lo.
Os incidentes continuam a crescer, ao ponto de Netanyahu cancelar a visita à Alemanha marcada para quinta-feira 8. Segundo analistas israelenses, está à espera de um incidente suficientemente grave para deflagrar uma operação semelhante à “Escudo Defensivo”.
O primeiro-ministro considerou-se autorizado pela eleição de março a conduzir um governo ainda mais à direita. Com o fracasso de seus aliados republicanos em bloquear o acordo nuclear com o Irã, jogou a toalha nesse aspecto, mas em troca de aceitar o inevitável, espera receber de Washington mais armas e carta branca para lidar com os palestinos.
(Antonio Luiz M. C. Costa, editor de Internacional de CartaCapital - Reportagem originalmente publicada na CartaCapital)