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Poder judiciário brasileiro não pode ter donos

A cada biênio a cúpula diretiva das cortes brasileiras se renova por força da expiração do mandato conferido pelos pares dos eleitos aos cargos de direção. Enquanto a Lei Orgânica da Magistratura está literalmente emperrada, o parlamento tenta aprovar eleições livres e diretas para todos os magistrados, o que traria uma reflexão e completa alteração do cenário, na medida em que se deslocaria a campanha para todos os níveis e a democratização estaria sendo prestigiada com o voto predominante da maioria.

O princípio é salutar se o cidadão com 18 anos está apto para votar não se justifica que o juiz aguarde, no mínimo, 20 anos, até chegar ao cargo de desembargador para conquistar esse direito. Dizia Rui Barbosa que a ditadura interna no judiciário seria o pior dos males, e parafraseando Raimundo Faoro não podemos corroborar a ideia de que existam verdadeiros donos do poder judiciário brasileiro.

Seguida essa premissa, a politização da Justiça do país tem sido um ponto fora da curva e repleto de adversidades, notadamente nas cortes superiores, onde a meritocracia passa ao largo e os indicados, eleitos devem ter alguma proximidade ou inteligência de pensamento compatível com a nata da governabilidade.

Antes de se estabelecer o escrutínio direto para todos os magistrados, desde que vitalícios, seria fundamental também se evitar o acumulo de poder, de funções ou atividades. Existem estados da federação que já deliberaram a respectiva extinção, os eleitos ou aqueles que forem pelo critério de antiguidade não poderiam se candidatar a cargo algum, exceto mediante licença ou renuncia, com isso teríamos a neutralidade como ponto de partida e as condições de igualdade reestabelecida entre todos.

A escola de juízes, desde logo, deveria ter a participação de todos, e inclusive a gestão participativa nos cargos de direção, porquanto se trata de entidade voltada para o aprimoramento e aperfeiçoamento dos magistrados e não se concebe uma visão míope que possa retirar o brilho do seu importante  papel ao longo dos anos, ainda que bem tímido se comparado ao cenário do exterior, no qual a presença do juiz pode durar até dois anos, antes de judicar, para ganhar experiência e ritmo de especialização.

A tendência de se macro instituir o regime democrático do voto acaba, de uma vez por todas, com o rodízio entre aqueles que permanecem anos a fio nos cargos de direção, e com o aumento provável da idade de aposentadoria, matéria ainda polêmica, seria muito salutar que o revezamento fosse adotado de forma paulatina e posteriormente integral.

Não podemos aplaudir a ideia da falta de concorrência de novos pensamentos e plataformas dos candidatos, pois do contrário haveria mera homologação de único nome ou de chapa especialmente apresentada livre de oposição. A mudança vista salta aos olhos, isso porque aqueles que ambicionarem os cargos diretivos, e não apenas de presidente, ou corregedor, mas de vice, e presidentes das seções deverão ter o apoio da maioria dos juízes, mostrar trabalho feito ou realizado, e o principal de tudo tempo disponível para percorrer todas as comarcas, foros e jurisdições em torno de uma campanha que será feita com bastante antecedência, ao contrário do que se imagina no momento atual.

Cada estado da federação tem sua peculiaridade e especificidade, tanto na órbita estadual, mas também federal, assim se nos estados maiores os deslocamentos serão proporcionais, no tocante à Justiça Federal o horizonte é bem mais tranquilo pelo número menor de circunscrições a serem percorridas.

A experiência do voto livre e soberano dos magistrados poderá ser implementada ainda esse ano se o projeto for aprovado e sancionado, o que traria enormes dificuldades, já que a maioria, senão a totalidade, dos candidatos não se preparou para o mister.

De qualquer modo e de toda sorte é um raro privilégio de contar com a participação plural de juízes togados e habilitados, pois as funções de direção, muito mais do que problemas constantes, inclusive orçamentários, de infraestrutura e logística, ditam a revisão do modelo e uma organização centrada num conjunto de ideias para a reconstrução do judiciário brasileiro.

Que venha o novo como conquista, ainda que antigo no seu modo de realização efetiva dos direitos de cada magistrado em participar do processo eletivo dos seus dirigentes, sob pena de nos mantermos no marasmo de meras homologações ou chapas que não apresentam concorrência, reoxigenação essa que habilitará tantos, mas selecionarão poucos e bons, é o que se deseja é o que se espera no por vir.

Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

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