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OPINIÃO

Baleia - Uma vira-lata adotada

Aurora acionou a campainha da portaria do prédio onde residiu durante anos.

– Bom dia sr. Gabriel. Esta é minha amiga Valéria, veterinária, cuida de cães abandonados!

– Viemos visitar dona Vitória e sua linda cachorrinha!

As senhoras não avaliam a alegria de dona Vitória, com a adoção da Baleia!

Ao abrir a porta do apto, Aurora e Valéria foram recebidas festivamente por Baleia. Reconheceu, por ação instintiva, a amiga benfeitora que a acolhera na rua, doente, abandonada!

Baleia voltou ao seu posto na porta do quarto de dona Vitória, com sua cabeça voltada para a sala, em vigilância.

Valéria, minha mãe recuperou o ânimo de viver, o sintoma de depressão, hipertensão e outras queixas desapareceram após conviver em companhia da cachorrinha vira-lata... Você nos orientou a importância de um cão de companhia, foi prestativa em nos ceder uma vira-lata disponível para doação. Baleia e minha mãe se entendem desde os primeiros momentos...

Professora aposentada estimulava os seus alunos à leitura de bons autores. – A leitura abre horizontes em nossas almas nos permitindo relembrar quem somos. Nós nos descobrimos para o nosso íntimo. A leitura construtiva nos desperta para a prática do bem e da humildade!

A vira-lata recebeu o nome de Baleia, personagem de um livro muito conhecido... Escrito por Graciliano Ramos, a obra é “Vidas Secas” e “Baleia uma cachorra que era como uma pessoa, sabia como gente”, completou Valéria. Achei estranho o nome Baleia se a vira-lata é muito magra quase pele e osso, concluiu Aurora.

Valéria percebeu desde o início do diálogo, a interlocutora ao referir-se a Baleia insistia em expressar “vira-lata” numa inflexão de voz de pouca simpatia, tentando diminuir a sua importância diante do novo ambiente familiar saudável em formação!

Amiga Aurora gostaria de comentar algumas das qualidades úteis desenvolvidas pelos cães vira-latas – Companheiros fiéis, tem os mesmos ascendentes de todos os outros cães. O nome correto deles é SRD (sem raça definida). Os vira-latas são mais resistentes do que os cães de raça. Sobreviveram à seleção natural, os filhos de saúde débil, os mais fracos, tendem a morrer, sobrevivendo os mais aptos, tornam-se mais resistentes. Assim os vira-latas atuais são mais saudáveis e menos predispostos às doenças que os cães de raça. O olfato do vira-lata é insuperável. Eles tem faro muito apurado para conseguir detectar alimentos em sacos e latas de lixo e garantir a sua sobrevivência. Necessitam do nosso carinho, atenção, cuidados, nosso amor! A maioria dos cães de abrigos aguardam um Lar. Quando você adota um deles está realizando um ato de amor. Eles não brincam, não recebem carinho e não tem a companhia constante de humanos. Não tem família, sem referencias, são uns perambulantes, uns sem ninguém na vida! Muitos cães vira-latas são usados hoje como cães-guias ou como cães de terapia. Baleia esta sendo muito útil a dona Vitória, uma verdadeira cadela de companhia.

Valeria relembrou ainda resumidas histórias lidas recentemente na Internet – “Um cão vira-lata foi encontrado ao lado do corpo da dona, após ter sido assassinada, em uma estrada de terra na periferia de João Pessoa – PB. Permaneceu ao lado do corpo mesmo durante a perícia policial. A Policia acredita que o cão tentou defender a senhora durante o crime pois o animal estava com as patas machucadas e com sinais de agressão pelo corpo”.

“O cão se tornava agressivo quando a  Babá se aproximava do bebê. Foi colocada uma câmera de celular escondida. Gritos por parte da Babá e sons de agressão enquanto os pais estavam fora. Além dos barulhos de tapas da Babá e choros do bebê, também foram ouvidos latidos desesperados do cão. A Babá confessou o crime.”

“A cadela Lilica recebe a comida, come uma parte, a outra é colocada em uma sacola e ela leva aos seus colegas de moradia: um cão, um gato, um galo e uma galinha. Todos moram em um ferro velho, às margens de uma Rodovia. Historias semelhantes em solidariedade do cão em relação aos humanos e outros animais  lemos quase todos os dias.”

Quais as explicações para laços de amizades tão intensos no relacionamento  entre cães e humanos? A resposta pode estar em uma substância, a ocitocina, um hormônio produzido na glândula hipófise superior que tem conexão com o hipotálamo, região do cérebro ligado ao bem estar, às emoções e que geralmente é produzida quando estamos perto de quem gostamos muito. É chamado “Hormônio do Amor”. Pesquisas haviam demonstrado que a produção de ocitocina também aumenta quando fazemos carinho ou olhamos fixamente para um cão. Agora, uma pesquisa divulgada pela Revista Sciense mostrou que o cérebro dos cães reagem do mesmo jeito. A pesquisa também constatou que as fêmeas são mais sensíveis à ocitocina.

Mas nos cães vão além da sensibilidade do hormônio ocitocina ou hormônio do amor – São solidários com os humanos, não esquecendo aqueles com os quais tiveram uma relação de amizade mais intensa... Por que aqueles humanos conquistam com mais intensidade os cães? Por que os cães são mais solidários com certos animais, não somente com outros cães? Interrogações sem respostas por enquanto...

A porta do quarto foi aberta, dona Vitória, sorridente, penteada, rosto bem cuidado. – Bom dia Aurora e Valéria, prazer em recebê-las! Realmente Baleia foi um excelente presente!

Ainda me lembro, cita dona Vitória – “Quando a família, o casal e seus dois filhos menores, crianças ainda, fugindo do flagelo das secas, chegaram ao pátio de uma pequena fazenda abandonada. Após uma primeira verificação constatou-se a ausência de qualquer ser vivente. Prepara para acender uma fogueira com gravetos, ela, Baleia, fiel companheira de fuga da desesperança para algum lugar à procura da sobrevivência, levantou as orelhas, enrugou as ventas, sentindo o cheiro de preás, farejou um minuto, localizou-os no morro próximo e saiu correndo! Foram despertados por Baleia que trazia nos dentes um preá. Todos comemoraram, era uma caça de caráter insignificante mas adiava a morte do grupo e todos queriam viver”... Valéria concluiu – “Depois foi acesa a pequena fogueira, o preá preso em espetos... Para Baleia sobraria os ossos e talvez o couro”... É um dos meus autores prediletos dona Vitória... A continuação do romance trágico e atual continuaremos outro dia... Tenho muito trabalho, um dia cheio de cães abandonados... Um abraço. A Baleia está muito bem! Parabéns!

(Elson Severino da Silva, cirurgião-dentista, especialista em Odontopediatria, aposentado, escreve crônicas para o DM desde março/2013. O DM já publicou 37 crônicas, desde abril/2013 até esta data - e-mail para contato: [email protected])

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