Não sei se foi exatamente assim, mas os problemas do Brasil começaram com Cabral. O gajo tinha sérios problemas de GPS; desde pequeno vivia se perdendo e precisava ser levado para casa. Navegante intrépido, chegou aqui por acaso, depois de muitos tragos, certo da descoberta da Ilha de Vera Cruz, nas Índias. Por esta razão chamou nossas lindas garotas de “índias”. O Pero Vaz, em choque ao descobrir nossas garotas ingênuas em sua pureza, mandou e-mail ao Rei: “Eram pardas, todas nuas, sem alguma coisa que lhes cobrisse as vergonhas.”
Fomos expulsos do paraíso! Nossas terras eram fartas, em se plantando tudo dava, mas nem plantávamos, só colhíamos. Nas águas cristalinas da Baía da Guanabara nadávamos e passeávamos de jangada. Nos rios também cristalinos não lavávamos roupas, apenas nossas purezas, e praticávamos atividades radicais subindo e descendo cachoeiras em canoas. Nas matas a farra era pular de galho em galho, brincar de pique-esconde e de arco e flecha. Na aldeia envenenávamos nossas lanças, jogávamos capoeira e lutávamos pitxuleko, arte marcial hoje conhecida como MMA.
Floresta, mar e rios abundantes, depois da caça ou da pesca voltávamos logo para a aldeia para namorar, dormir, comer e dançar forró, não necessariamente nesta ordem. Sem terremoto, maremoto, poluição nem doenças; sem inflação, desemprego, nem recessão, não pagávamos CPMF, IOF, ICMS, ISS, PIS, Cofins, IPVA, IPTU, IR, INSS, H2O. Sem patrão, horário de trabalho, nem salário, não precisávamos de carro, de trem, de ônibus, nem de moto. Não pagávamos contas altíssimas de luz, de gás, nem de celular.
Em segurança pública ideal, sem população de rua, todos morando com dignidade em confortáveis ocas, não havia roubos ou assaltos: ninguém tinha algo que despertasse cobiça, sobravam-nos somente alegria e penas coloridas. Aos domingos, na praia, todas as tribos celebravam a paz! Não sabíamos mentir, não havia corrupção, pedalada fiscal, partidos políticos, horário eleitoral gratuito, sindicatos, nem funções gratificadas. Mudar esta vida por quê?
Éramos felizes e sabíamos. Mas um dia alguém gritou Terra à Vista, o Cabral chegou , fomos tapeados com espelhos e apitos e foi assim que tudo começou. Ou não? Panta rei.
(Ruy Chaves é diretor da Estácio e da Academia do Concurso)