Os ditadores sempre supõem que seu poder é eterno. Nunca imaginam que, num futuro próximo ou distante, o silêncio será rompido, o véu que encobre os crimes será levantado, as indignidades serão conhecidas.
Esta ilusão de que o arbítrio é perene, a tortura permanecerá encapuçada, encoraja os que pisoteiam a dignidade humana a praticar com desfaçatez os mais abjetos atos.
Entretanto, cedo ou tarde, a verdade vem a ser conhecida.
Não se revela a sujeira, que ficou debaixo do tapete, com espírito de vingança. Um povo deve conhecer sua História, não apenas os atos heroicos, mas também os episódios que envergonham. A revelação dos erros do passado é uma advertência para que não se repitam.
Esta é a razão que justifica a edição do livro ”Ditaduras não são eternas: memórias da resistência ao Golpe de 64, no Espírito Santo.”
Trata-se da contextualização e compilação dos depoimentos prestados por presos políticos à Comissão Especial da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, referentes ao período de 1961 a 1979. Merecem parabéns os responsáveis pelo resgate, em livro, da palavra dos massacrados.
A iniciativa de pegar em armas para derrubar a ditadura instaurada no país em 1964 não foi a única forma de resistência. Dom Hélder Câmara não aderiu a essa forma de luta. Entretanto, poucos brasileiros terão, como este Bispo santo, atuado com tanta eficácia para minar o regime de força e esvaziá-lo até o esgotamento.
Também no Espírito Santo houve ações e comportamentos desarmados, de oposição ao macabro 1964 / 1968.
As comunidades eclesiais de base, que mostravam que o Evangelho de Jesus Cristo carrega, nas suas linhas, um projeto libertador, não eram vistas com bons olhos pelos aparelhos de repressão.
Dom João Baptista da Motta e Albuquerque teve seus passos vigiados, era espionado e recebeu ameaças anônimas, por telefone, até mesmo durante a noite. Naquele tempo não havia recursos técnicos que permitiam a identificação dos aparelhos telefônicos de onde se originavam ameaças, palavras para menosprezar e outros abusos. Dom João Baptista teve a coragem de abrigar proscritos em sua casa, sem a garantia da inviolabilidade que protege as embaixadas. Padres, freiras e leigos atuantes foram incluídos na lista dos suspeitos.
O registro desta faceta do “não à ditadura” não foi abordado por “Ditaduras não são eternas” e nem deveria mesmo fazer parte destas memórias. Estas cumpriram, com lucidez, metodologia científica e grandeza, o objetivo colimado.
(João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado (ES), professor, palestrante e escritor - E-mail: [email protected] / Site: www.palestrantededireito.com.br)