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OPINIÃO

“A mudança climática é um problema de justiça social”

Neste artigo continuo a apresentação do discurso do papa Francisco aos prefeitos. Ele diz: “No entanto, é a saúde que está em jogo. Há uma quantidade de ‘doenças raras’, assim são denominadas, que derivam de muitos elementos utilizados para fertilizar os campos - ou talvez ainda não se conheçam as suas causas - e, contudo, de um excesso de tecnicização. Entre os maiores problemas em jogo há aqueles ligados ao oxigênio e à água. Ou seja, a desertificação de grandes áreas por causa do desmatamento”.

Continua o papa: “Ao meu lado encontra-se o cardeal arcebispo (Claudio Hummes) encarregado da Amazônia brasileira, que nos pode dizer o que significa hoje a desertificação na Amazônia, que constitui o pulmão do mundo. O Congo e a Amazônia são os grandes pulmões do mundo. Na minha pátria, há alguns anos (oito ou nove), recordo-me que o governo federal promoveu um processo numa província para impedir o desmatamento, que atingia a população”.

Francisco pergunta:: “O que acontece quando todos estes fenômenos de tecnicização excessiva, sem preocupação pelo meio ambiente, além dos fenômenos naturais, incidem sobre a migração?”. E responde: “O desemprego e depois o tráfico de pessoas. É cada vez mais frequente o trabalho ilegal, o trabalho sem contrato, o trabalho ‘arranjado debaixo da mesa’. Como aumentou! O trabalho ilegal é muito difundido, e isso significa que as pessoas não ganham o suficiente para viver. Isso pode provocar atitudes criminosas e tudo o que acontece nas grandes cidades em função das migrações causadas pela tecnicização excessiva”.

E ainda: “Refiro-me sobretudo ao agronegócio ou ao tráfico de pessoas no trabalho minerário. A escravidão minerária é ainda muito grande e muito forte. E o que significa o uso de determinados elementos no tratamento dos minerais - arsênico, cianeto - que levam a população a adoecer”?

Francisco afirma: “Nisto há uma responsabilidade muito grande. Ou seja, tudo se repercute, tudo volta para trás, tudo... Trata-se do efeito de repercussão contra a própria pessoa. Pode ser o tráfico de seres humanos para o trabalho escravo e a prostituição, que constituem fontes de trabalho para poder sobreviver hoje em dia. Por isso, estou feliz por saber que vocês refletiram a respeito de tais problemáticas - mencionei apenas algumas delas - que atingem as grandes cidades”.

E declara: “Em última análise, eu diria que isso deve interessar às Nações Unidas. Tenho muita esperança na Cúpula de Paris” (COP 21: realizada de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015). “Esperemos que se alcance um acordo fundamental, básico. Tenho muita esperança! No entanto, as Nações Unidas devem interessar-se profundamente desta questão, principalmente do tráfico de pessoas provocado por este fenómeno ambiental, da exploração das pessoas”.

O papa relata: “Há uns dois meses recebi uma delegação de mulheres das Nações Unidas, encarregadas do problema da exploração sexual das crianças nos países em guerra. Ou seja, das crianças como objeto de exploração. Trata-se de outro fenômeno! E também as guerras constituem um elemento de desequilíbrio do meio ambiente”.

Enfim - diz Francisco - “gostaria de concluir com uma reflexão, que não é minha, mas do teólogo e filósofo Romano Guardini, que fala de duas formas de ‘incultura’: a incultura que Deus nos deixou, para que a transformássemos em cultura - e foi por isso que Ele nos conferiu o mandato de preservar, fazer crescer e cuidar da terra; e a segunda incultura, quando o ser humano não respeita esta relação com a terra, quando não a preserva - isto é muito claro na narração bíblica, que constitui uma literatura de tipo místico. Quando não a preserva, o ser humano apodera-se daquela cultura e começa a deturpá-la. Ou seja, a incultura desvirtua-a, fá-la perder o controle e dá origem a uma segunda forma de incultura: a energia atómica é boa, pode ajudar. Mas só até um certo ponto. Pensemos em Hiroshima e Nagasaki! Ou seja, criam-se o desastre e a destruição, só para citar um exemplo antigo. Hoje em dia, de todas as formas de incultura, como aquelas que vocês abordaram, este segundo tipo de incultura é responsável pela destruição do ser humano”.

Para ilustrar o seu pensamento, Francisco narra uma história: “Um rabino da Idade Média, mais ou menos da época de são Tomás de Aquino - talvez alguns de vocês já me ouviram dizê-lo – explicava num ‘midrash’ o problema da torre de Babel aos seus fiéis na sinagoga, e dizia que para edificar a torre de Babel foi necessário muito tempo, tanto trabalho, sobretudo para fabricar os tijolos. Era preciso preparar a argila, procurar a palha, amassá-la, cortá-la, secá-la, colocá-la na fornalha, cozê-la... Um tijolo era uma joia, tinha um grande valor! E faziam subir os tijolos para os pôr na torre. Quando caía um tijolo era um problema muito grave e o culpado, aquele que tinha descuidado do seu trabalho deixando cair o tijolo, era castigado. Mas quando caía um dos trabalhadores que labutavam na construção, nada acontecia. É precisamente este o drama da segunda forma de incultura: o ser humano como criador de incultura e não de cultura. O ser humano criador de incultura, porque não cuida do meio ambiente”.

Termina, pois, dizendo: “E por que razão a Pontifícia Academia das Ciências Sociais dirigiu este convite aos prefeitos, alcaides, intendentes das cidades? Porque não obstante esta consciência saia do centro para as periferias, o trabalho mais sério e mais profundo é feito a partir das periferias para o centro. Ou seja a partir de vocês, visando a consciência da humanidade. A Santa Sé, este país ou aquele outro poderá dirigir um bonito discurso às Nações Unidas, mas se o trabalho não começar a partir das periferias para o centro, não terá efeito algum. Daqui deriva a responsabilidade dos prefeitos, alcaides, intendentes das cidades”.

E conclui com as palavras: “Por este motivo, sou profundamente grato a vocês porque quiseram reunir-se como periferias que levam realmente a sério esta problemática. Cada um de vocês encontra no âmbito da sua própria cidade situações semelhantes àquelas das quais vos falei, e que vocês devem governar, resolver, e assim por diante. Agradeço a colaboração de vocês. D. Sánchez Sorondo disse-me que muitos de vocês intervieram e que tudo isto é deveras muito bom! Agradeço-lhes e peço ao Senhor que nos conceda a graça de poder tomar consciência desse problema de destruição que nós mesmos continuamos a fomentar, quando deixamos de cuidar da ecologia humana, quando não temos uma consciência ecológica como a que nos foi dada no princípio, para transformar a primeira incultura em cultura, detendo-nos ali, sem transformar esta cultura em incultura. Muito obrigado!”.

Ah, se os prefeitos do mundo inteiro de todas as cidades e municípios - grandes, médios e pequenos - levassem a sério o discurso do papa. O mundo seria bem melhor! Cabe aos movimentos populares, às Pastorais Sociais e Ambientais e a todos/as nós cobrar isso dos prefeitos.

(Fr Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), professor aposentado de Filosofia da UFG - E-mail: [email protected])

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