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OPINIÃO

Acobertada por uma lei equivocada, recusa de tratamento de alcoolistas no SUS produz milhares de lesionados cerebrais

O SUS , bem mais que o Zika, está literalmente “derretendo” o cérebro de milhares de brasileiros.
Estou diante, aqui no hospital, do sr. Justo, 54 anos, já completamente demenciado, cérebrolesado, por uma psicose alcoólica de Wernicke-Korsakoff. Nesta doença, causada por alcoolismo sem diagnóstico e sem tratamento, o cérebro literalmente “derrete”. Eu resolvo dar uma “dura na família”: “Mas como deixaram chegar a isso, agora não tem mais nada pra gente fazer não!” A esposa, mulher humilde, abaixa os olhos e me diz: “Dr., desde que ele começou a dar problemas que a gente tenta internar ele no SUS, mas os funcionários perguntam para ele se ele quer internar ele diz que ‘não’ e aí eles deixam ele ir embora.” “Nesta última internação mesmo, ele já tava dentro hospital, aí a psicóloga veio e perguntou para ele se ele queria ficar, ele disse que não e ela deixou ele ir embora.”
Os serviços de psiquiatria do SUS, ou conveniados pelo SUS sempre tendem a rejeitar pacientes toxicômanos/alcoolistas: “Dão trabalho demais”, “o Governo paga pouco”, “o que a gente recebe não compensa o desgaste, custos, trabalho”, “é um paciente difícil, foge, exige, agride, faz gangues, quebra, tumultua”. De fato, é bem difícil tratar um paciente desses quando o SUS paga 33 reais a diária de hotelaria e 5 reais a diária do médico. É claro que, quando é paciente particular tudo isso é ignorado, aí é o dinheiro que vale, com ou sem consentimento para internação.
Com o progressivo domínio do SUS em todas as instâncias psiquiátricas (os particulares na psiquiatria estão quase todos quebrados), a grande verdade é que “todo mundo no SUS quer um modo legalista de ficar livre do alcoolista/toxicômano”. Conseguiram isso com a “lei da reforma psiquiátrica”, uma lei completamente absurda, que “diz” que o cara mais louco do mundo “não pode ser internado contra a vontade”. É a “estatização” absoluta da vida brasileira, algo muito caro à esquerda. Engraçado é que ninguém pergunta para alguém que está comendo bo...* se ele “quer ou não ser internado”... Todo mundo conclui: “”le perdeu o controle sobre si próprio, não responde pelo seus atos, é claro que precisa ser internado.” Então, por que perguntam se um alcoolista que está bebendo até morrer – e que claramente perdeu o controle sobre seus atos – se “ele quer ser internado”? É claro que estamos diante de um puro casuísmo, casuísmo este feito para “proteger os serviços do SUS” contra a canseira que dão os dependentes químicos. Na medida em que os serviços do SUS criaram esta demanda (“não internar dependentes que não queiram”), a legislação foi atrás e criou as dificuldades para internação involuntária. Agora os serviços do SUS, para tirarem os deles da reta, dizem o contrário do que aconteceu de fato: “Nós não podemos internar contra a vontade porque existe uma Lei que impede isso.” Mais uma mostra de como o SUS deteriorou gravemente a Medicina e os hospitais brasileiros ao longo das décadas. Quando comecei na Medicina, na Psiquiatria, antes do SUS, não tinha isso. Naquela época, perdeu o controle sobre álcool, drogas, qualquer comportamento lesivo a si ou a outrem, era internação, sem problemas. Nunca vi ninguém ser internado de modo injustificado, coisa muito mais de filme tipo “bicho-de-sete-cabeças” do que da realidade, e olha que trabalhei em quase 10 hospitais psiquiátricos, por quase duas décadas. Mas, no momento atual de quase completo “domínio de SUS” na área da psiquiatria, assim vai o Brasil, uma casta engambelando com uma Lei e uma Lei engambelando para uma casta... Que Lei p.... nenhuma! Podem ir ver em hospitais particulares, inclusive em hospitais neurológicos chiques, cheios de alcoólatras e drogados ricos, que lá não vigora lei nenhuma: a família mandou, o cara tá pirado mesmo (como disse acima, tá “comendo b..*”), interna, sem choro nem vela, sem burocracia e sem lei nenhuma. Agora, com os “pobres”, com aqueles que “dão trabalho no SUS”, aí para estes tem a “lei que não deixa internar sem o consentimento voluntário” (para hospitalização involuntária é necessária uma burocracia grande, e, como se sabe, no Brasil, a burocracia é tão lenta, difícil, que praticamente todo mundo desiste). A “desistência por excesso de burocracia” (é papel prá lá, é papel prá cá), como vimos acima, é muito conveniente para as estruturas do SUS, doidas para fugir do serviço (repetindo, onde não há lucro, onde não há individualidade, não há interesse por pegar mais trabalho). Resultado, dezenas, centenas de milhares de zumbis, como meu paciente aí acima, sendo produzidos às fornadas; com certeza, muito mais do que o Zika.

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra. Artigos abertos no dmdigital.com.br as terças, sextas, domingos)

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