Nos anos 50, o dramaturgo Nelson Rodrigues cunhou uma expressão que não se perdeu com o passar do tempo. Lá se vão pelo menos 65 anos, mas muitos ainda concordam com o escritor: brasileiro tem mesmo complexo de vira-lata, esse sentimento de inferioridade com o qual nos colocamos frente ao resto do mundo e, o que é mais triste, voluntariamente! A máxima vale para vários departamentos: futebol, política, cultura e saúde.
Em alguns casos, podemos até compreender a sensação. Basta apenas lembrar do placar 7x1 na última Copa do Mundo... ironias à parte, acredito que o que vale, mesmo, não é a maneira como nos desempenhamos, mas sim o que fazemos para nos aprimorar.
No campo da saúde não é diferente. O Brasil, como o resto do mundo, tem uma série de problemas e desafios para enfrentar e superar. Tomemos como exemplo uma das maiores potências do mundo, os Estados Unidos, onde os problemas relacionados à saúde também geram muita preocupação, exatamente como no Brasil. Naquela parte do mundo, economistas e formuladores de políticas públicas dessa área têm se debruçado sobre o que fazer com a ascensão aparentemente inexorável das despesas de saúde.
Essa questão é abordada longa e detalhadamente em artigo do professor em Ciências da Saúde Pública da Universidade de Virgínia, Jeff Goldsmith, publicado no blog Health Affairs (http://healthaffairs.org/blog/author/goldsmith/). Nele, o especialista disseca argumentos que apontam para quem seria o culpado pelos custos com a saúde norte-americana.
Há uma primeira tese, qualificada pelo autor como conservadora, que coloca o problema no colo dos pacientes em função da sua falta de cuidados com a própria saúde – por exemplo, a adoção de maus hábitos como o tabagismo, o sedentarismo e uma dieta alimentar desequilibrada. Já que eles não pagam pelo atendimento médico necessário para controlar os problemas advindos desse modo de vida, consequentemente não valorizam o serviço e, assim, não incorporam mais disciplina aos seus hábitos pessoais. A segunda corrente, intitulada progressista, absolve o paciente da culpa e aponta o dedo para os médicos e hospitais, esses sim acusados pelo crescimento dos custos, já que estão em busca de rendimentos mais elevados.
No Brasil, também temos vários acusados pelos sérios problemas que assolam o setor. Embora a saúde em nosso país seja a área que envolve os maiores gastos públicos, ela apresenta resultados longe de qualquer coisa parecida com satisfatória. Para alguns, é justamente o item recursos financeiros que merece a pecha de culpado e, portanto, a causa do mal está nos governos e em sua gestão deficitária. Para esses, mais dinheiro resolveria a questão. No entanto, basta uma rápida análise – feita presencialmente em hospitais ou a partir de breve pesquisa nos jornais – que se constata exatamente o contrário: é o desperdício o maior problema.
Outros acusados são a falta de investimentos em tecnologia e a ausência de uma administração moderna. Para a solução do primeiro, máquinas e equipamentos sofisticados são procurados, bem como avançados sistemas de tecnologia da informação. Porém, há o que se discutir em torno dessa questão, uma vez que são caros e os benefícios, questionáveis. Já a administração do setor é alvo de críticas porque está baseada em princípios gerenciais obsoletos. O caminho, portanto, passaria pela adoção de estratégias administrativas mais modernas.
Esses são apenas alguns dos sintomas comumente diagnosticados e aos quais é atribuído o atual quadro da nossa saúde, situação até compreensível, assumindo que os seres humanos apresentam tendência natural para acusar os seus erros em causas diversas. O problema, na verdade, reside em relacionar a causa da questão a apenas um lado. Ledo engano, já que o setor de saúde é um universo que envolve vários atores e alcança vários responsáveis pelo seu bom funcionamento, passando por pacientes, médicos, governos e planos de saúde. Portanto, o problema é muito maior e, mais, é de fato sistêmico.
A AxisMed vem há 13 anos cumprindo sua parte no que acredita ser sua missão como participante do setor de saúde, ao oferecer excelência em serviços de sistemas preventivos e voltados à atenção primária da saúde, tanto para beneficiários de planos de saúde como para funcionários e colaboradores de grandes empresas. Aliás, como as soluções devem começar por algum lugar – e assumindo principalmente que a saúde é um setor multifacetado, que precisa ser cuidado, insisto, de forma sistêmica – uma possibilidade, então, é voltar os olhos justamente para revisão da atenção primária mais integral (sair do ambiente restrito do consultório) e maior foco na prevenção secundária garantindo o continuum care junto aos grupos com maior risco de saúde. Obviamente, temos muito para resolver. Mas precisamos iniciar o processo e parar de procurar culpados.
(Fábio de Souza Abreu é CEO da AxisMed, empresa especializada em gestão de saúde populacional)