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OPINIÃO

A regra do jogo: Ibope

Ocasionalmente presenciei em 07/03 um dos últimos capítulos da novela "A regra do jogo". O título já sugere que é a regra que rege nossas relações sociais. O fato é que nossa linguagem, que forma a sociedade, assim como a sociedade forma nossa linguagem, em relação à maioria do povo brasileiro, não é haurida na boa literatura, nos contos, nas poesias, nos romances e matérias articuladas dos meios de comunicação escritos, mas sobretudo nas mensagens diárias do mundo televisivo, entre as quais avulta em relevância a Rede Globo de Televisão.
Completamente tomada por uma revolta histérica de todos os personagens, ameaças contundentes de um psicopata sequestrador, é exposta uma realidade que transcende, no sentido do mal e da desconstrução psicológica, até mesmo os fatos semelhantes da vida real, que já se repetiram várias vezes e presenciamos em nossos jornais policialescos.  No cotidiano concreto, o sequestrador, os sequestrados, a polícia e demais circunstantes não gritam desesperadamente do fundo do poço, não brandem armas a todo segundo, entremeado de gritos selvagens.
É necessário dizer que essa incapacidade crítica e essa submissão à mensagem televisiva deteriora o já precário equilíbrio psicológico dos brasileiros. Não que a violência efetiva não deva ser demonstrada, mas é sempre bom guardar a regra da proporcionalidade, da inconveniência dos excessos.
O prêmio Cervantes de literatura em 1981 e Nobel em 1990, mexicano Octávio Paz, correlaciona corretamente o uso de drogas com esse mal-estar que caracteriza a sociedade contemporânea. Não é a causa única, não é justificativa para a desconstrução pessoal e social dos homens de nosso tempo, muito menos das organizações criminosas do tráfego, porém o aspecto não pode deixar de ser registrado como importante componente do problema, como se vê de suas expressões:
A gente não se injeta nem ingere essas substâncias (alucinógenos) por maldade ou perversidade. Tampouco por ignorância, ainda que não nego que alguns, sobretudo os muito jovens, desconhecem às vezes o perigo a que os expõe seu uso. Não descarto a importância de outro fator: a imitação.
Tomamos droga porque um amigo, um vizinho ou a amante as toma. É um efeito negativo da faculdade dos homens, na qual via Aristóteles uma das superioridades de nossa espécie sobre os outros seres vivos. As drogas corrigem levemente o filósofo: se a imitação é o caminho da aprendizagem, também é da perdição. Porém nenhum desses fatores - poderia acrescer outros, uns psicológicos e morais, outros sociais e econômicos - explica inteiramente o fenômeno. Para compreendê-lo um pouco devemos começar por reconhecer que o uso das drogas corresponde a uma necessidade psicológica. As causas que provocam essa necessidade são muito variadas, mas podem resumir-se em uma: o desamparo espiritual, muitas vezes também material, a que nos condena a sociedade contemporânea.  O exame das causas desse desamparo implica no exame da sociedade moderna. É uma tarefa vastíssima, que tem sido tentada muitas vezes com resultados contraditórios. Não me proponho, por isso, tratar desse tema e me limito a observar que, se deveras se quer combater o uso de drogas, deve-se começar pelo princípio, é dizer, pela reforma da sociedade mesma e de seus fundamentos sociais e espirituais.
Uma vez assentada essa modesta premissa, há mais um comentário. Diz-se que o desamparo provoca uma necessidade: qual é a índole dessa necessidade, como se chama? Nasce de uma carência e tem muitos nomes. Manifestam-se às vezes como anseio de repouso e esquecimento, outras por coisas que transcendam nossas vidas mesquinhas e absorver o que nos prometem os contos e as mitologias. É um anseio para sair de nós mesmos, para encontrar o quê? Ninguém o sabe exatamente. Sabemos, sim, que essa angústia é sede de felicidade, sede de bem-estar. “Os pronunciamentos de nossas sociedades são múltiplos e diversos, uns materiais e outros espirituais, uns econômicos e outros políticos, mas todos eles englobam a palavra “mal-estar””.
A linguagem televisiva pode engendrar, por assimilação automática e insuperável, o homem cometido de tal mal-estar, ao assistir a uma encenação como a apontada, em que tudo converge para o sentido deletério e injustificável de nossas existências: não só para o apontado sentido das fugas que explicam os alucinógenos, mas, genericamente, para cobrir todos nossos horizontes e esperanças, que deveriam ser belos e felizes, por uma névoa cinzenta e depressiva.

(Amadeu Garrido de Paula é um renomado jurista brasileiro com uma visão bastante crítica sobre política, assuntos internacionais, temas da atualidade em geral. Além disso, tem um veio poético, é o autor do livro Universo Invisível)

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