O sujeito vinha todo esbaforido pela calçada - gente, cachorro, lixo, tudo era tratado igual - igual bola de futebol: no pé mesmo.
- Ei, cuidado seu... moleque! Estas e outras imprecações menos contidas eram ouvidas enquanto nosso sujeito fugindo do diabo (ao que parece) abria seu caminho entre dribles mecânicos e penalidades máximas.
Então, estacou diante da porta do dr. Manjuro Almeida, advogado prático (como se dizia naquele tempo), boa prosa, bonachão, tinha uma meia careca agressiva, a única coisa agressiva no próprio, no mais era tranquilo, sabia das coisas e do que não sabia, inventava, o que dá na mesma para quem sabe menos ainda.
O sujeito não teve dúvida, talvez já acostumado com sua vinda apressada e os tantos obstáculos, enfiou o pé na porta do dr. Manjuro, a qual estava aberta, como convém a portas de escritórios em horário de funcionamento – abriu e fechou rapidamente, devido ao instrumento de vai-e-volta firmamente parafusado – sujeito chutou de novo, dessa vez aproveitando o “vai” da peça de mola para ir junto.
Às suas costas ouviu-se um “bah” do batente da injuriada peça de madeira, havia silêncio, dona Roseane, secretária do querido advogado, era a única testemunha da valentia do outro, que por sua vez, meio desnorteado pela sombra, pego de surpresa pelo rebote violento e desconcertado pela reação pacífica da senhora, apenas disse:
- Bom-dia, o dr. Manjuro está?
- Não senhor, saiu em viagem de trabalho, deverá voltar apenas na semana que entra, posso ajudá-lo ?
Sujeito suava na camisa azul clarinha, o que lhe dava aparência de doce estragado da padaria do “seu” Olavo.
- Pode deixar, semana que vem eu volto, obrigado madama!
Saiu, não sem antes olhar atentamente para o canto superior da porta. Foi-se.
Dona Roseane levantou-se, entrou na sala do ausente patrão e comunicou que o visitante tinha se ido sem mais explicações.
Dr. Manjuro, cujas faces rosadas estavam um pouco lívidas, relaxou um pouco.
- Como o senhor sabia que esse sujeito viria aqui hoje?
- Eu não sabia, eles sempre vêm, mais cedo ou mais tarde, por isso peço que ao menor sinal estranho me invente uma viagem longa.
- Ele voltará?
- É possível, mas virá mais calmo, terá tido tempo de pensar, passar a raiva, então conversaremos em termos menos alterados.
- O que o senhor fez ou deixou de fazer para que ajam assim?
- Coisas da profissão, nada muito grave, tem gente que reage mal às decisões do delegado ou do juiz e me culpam, pelo menos tentam, não se preocupe, agora me traga um cafezinho preto, por gentileza.
Dr. Manjuro sorria o tempo todo enquanto explicava a causa, sob o tampo da mesa, em um encaixe perfeito, um pequeno revolver o observava, adquirido ainda no início dos trabalhos há muitos anos, por conselho de seu tutor e primeiro empregador:
- Para ocasiões em que a lei não atenda seus clientes mais nervosos!
Um sábio conselho, já o havia livrado de muitos sujeitos antes e pelo menos mais um no futuro, ao que consta.
- Seu café, dr. Manjuro!
- Obrigado.
De repente, a porta da sala foi estourada (essa não tinha o “vai-e-volta”), o sujeito sorria, satisfeito com o resultado sobre essa prima da primeira entrada:
- Com que então já voltou da viagem, doutor?
Dona Roseane desmaiou, o resto é história de página policial.
(Olisomar Pires – olisoblog.com)