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OPINIÃO

Há 50 anos

A verdade é que nem vi passar o tempo. Meio século se foi de quando, nos meus 25 anos, rebelde e atordoado, bati à porta de um templo, arrependido que estava por ter acertado a cara de alguém...
Eu saía de casa naquele fim de tarde para ir ao encontro da namoradinha com quem ia ao cinema. Naquele tempo as pessoas ficavam às portas de suas casas vendo os passantes da rua, todos em conversas alegres e tranquilas, vendo os meninos a brincar e cuidando para que eles não pisassem na poeira que devia ter uns dez centímetros de altura; qualquer movimento deles na rua fazia erguer nuvem de grossa poeira.
Saí de casa e descia à margem da rua ajeitando o paletó quando ouvi vozes das mulheres nossas vizinhas gritando:
— Iron! Cuidado!
Senti que alguém me tocava nos ombros e, devido aos gritos de alerta, já fui com o punho armado e acertei a cara de um indivíduo — foi como um torpedo. Mas o fiz sob impacto do instinto de autodefesa e do susto que levei.
Fui ver quem era, mas a poeira que se levantou era uma cortina que tapava a visão.
Mesmo assim eu queria ver e saber quem tentara me atacar. Não era outro senão um desses tipos populares que pretendia mostrar-se às pessoas, passando-se por policial, procedendo uma revista em mim, como quem faz busca em suspeitos.
Fiquei triste quando vi que era ele, o tipo popular do nosso bairro. Deixei-o ali envolto na nuvem de poeira e saí de cena logo que cheguei à rua direita.
Fiquei muito chateado pelo que fiz. Mas foi por susto e sem querer. Fui me defender alterado pelo grito dos vizinhos.
Chegando à via paralela, a Floriano Peixoto, um pastor de uma imensa igreja evangélica me chamou. Recrutava fiéis para o seu templo. Por razões que desconheço, não dei atenção ao distinto. Continuei a descer a Floriano passando em frente a um Centro Espírita de nome Luz e Caridade. Olhei aquela casa humilde, portas sendo fechadas por um gordinho e lembrei-me que minha mãe pedira-me certa vez que eu fosse àquele local, qualquer dia em que passasse por ali.
— É hoje — pensei comigo — estou muito chateado com o sucedido. Eu não podia ter feito aquilo com o doidinho, (assim o chamávamos). Fui mal. Errei. Vou entrar e me acalmar um pouco.
No que me aproximei da porta de duas partes, o homenzinho gordo que a fechava, disse-me:
— Não se entra mais! E foi fechando as portas. Aparei-as dizendo ao porteiro:
— Enfim, depois de anos precisando vir aqui, quando chego o senhor me impede de entrar? Simplesmente vou lhe dizer: não feche essas portas que, em seguida, eu as abro com um pontapé.
Ou o gordinho confiava muito nos seus guias ou — claro! — ele não esperava estar provocando um rapazinho que estava nervoso, pois fechou as portas e teve estas abertas na própria cara, abruptamente, que o fez cair sentado no piso de dentro da casa de orações.
Atraído pelo barulho uma multidão de assistentes olhou para a porta enquanto eu levantava o cidadão gordinho estendendo-lhe a mão.
Foi quando o Diretor do Centro, encarregado de dirigir a sessão, disse lhe:
— Seu Napoleão, — era esse o nome do porteiro — deixe-o entrar. Esse jovem é conhecido nosso, cujo nome faz parte da lista de pessoas para quem fazemos prece. E bondosamente o Sr. Gentil convidou-me.
— Iron, venha cá! Sente-se aqui na roda dos médiuns...
Eu fui. Colocaram-me no meio dos médiuns. E a sessão começara. Alguns minutos depois uma senhora disse ao condutor da sessão:
— Vejo uma entidade ao lado desse rapazinho aí...
— Prossiga. Ordenou o diretor Gentil.
— Ele aparenta a mesma idade do jovem. Só que é moreninho de lábios grossos, cabelo duro. Ele entrega uma pena, branca, de ave ao moço e diz-lhe: daqui para diante vamos trabalhar juntos.
Indaguei ao Sr. Gentil.
— Posso falar com ele?
— Sim, pode.
—Se vamos trabalhar juntos posso saber quem é você?
E a médium retransmitiu:
— Sim. Sou aquele, autor do livro que caiu na sua cabeça, na livraria, quando outra obra (a de cima) caiu na sua cabeça e dali, no chão. Você o pegou, folheou-o e leu alguns trechos, tendo gostado muito do meu texto... lembra-se?
— Sim, — estranhei — porque era um fato real, só que de tão simples que jamais o contei a ninguém. Comprei o livro e o li em casa.
— Então, sou o do livro. Duvidei, mas me mantive calado.
— Eu posso duvidar?
Indaguei ao espírito, que me respondeu:
— Deve! Por isso estou aqui...
— Por isso... Como?
— Você não engole gato por lebre.
Compreendi o que ele disse e mantive-me quieto, entendendo que o tempo traria a explicação de tudo. E foi o que aconteceu.
Isso há 50 anos. Ou mais!

(Iron Junqueira, escritor)

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