O jornalista Pedro Canário, do Consultor Jurídico, nos seus últimos artigos, vem escancarando a podridão a que o despreparo de certos ministros vem submetendo o Superior Tribunal de Justiça, autodenominado “O Tribunal da Cidadania”.
Não vamos generalizar, mas numa Corte Superior com trinta e três ministros, que deveria ser representada por luminares do Direito, causa espécie saber que pelo menos nove sequer possuem obra publicada (Antônio Carlos Ferreira, Benedito Gonçalves, Félix Fischer, Francisco Falcão – atual presidente da Corte –, João Otávio de Noronha, Jorge Mussi, Laurita Hilário Vaz, Raul Araújo Filho e Sebastião Alves dos Reis Júnior). E, talvez por falta de brasileiro nato, foram até buscar um alemão naturalizado para ministro.
Os incisos I e II do artigo 104 da Constituição Federal, diz que o STJ é composto “um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, e um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e dos Territórios, alternadamente”.
Ocorre que vários ministros, que entraram no STJ como juízes de TRF´s e desembargadores de Tribunais de Justiça, não tiveram sua origem na magistratura, ou seja, nunca foram juízes (como mandaria a lógica) e, com a investidura nos Tribunais estaduais e Regionais Federais, em vez de concorrerem pelo quinto de origem, passam a concorrer ao STJ como magistrados, sem terem feito concurso para tal, usurpando, desta forma, as vagas dos suados magistrados de carreira. É evidente que não têm culpa, se a lei é falha. Mas, com isto, os juízes de carreira são prejudicados. Não deveria ter chegado ao STJ como desembargador ou juiz de TRF quem não foi juiz na origem.
Entraram na magistratura por esse espúrio quinto: Francisco Falcão (entrou pela OAB no TRF-5, de onde veio para o STJ), Humberto Martins (entrou no TJ/AL pelo quinto do MP), Jorge Mussi (concorreu como desembargador do TJ-SC, mas ali chegou pelo quinto da OAB), Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (veio para o STJ na cota de juiz de TRF-5, mas ali entrou pelo quinto do MP/RN) e Raul Araújo Filho (concorreu como desembargador do TJ-CE, aonde chegou pelo quinto da OAB, e com três anos de “magistratura” aportou ao STJ, superando nada menos que 1.575 candidatos em potencial, muitos com expressiva carreira; coisa de “gênio”).
Entraram efetivamente pela classe da OAB, com apadrinhamento ou não, mas legalmente: Antonio Carlos Ferreira OAB/SP), João Otávio de Noronha (OAB/MG), Maria Thereza Rocha de Assis Moura (OAB/SP), Sebastião Alves dos Reis Júnior (OAB/MG), Herman Benjamin (MP/SP), Maria Isabel Gallotti (MP/RJ), Mauro Campbell Marques (MP/AM) e Ricardo Villas Bôas Cueva (OAB/SP).
Pelo quinto do Ministério Público, entraram: Félix Fischer (MP/PR), Laurita Hilário Vaz (MP/GO), Rogerio Schietti Machado Cruz (MP/MG) e Sérgio Luíz Kukina (MP/PR).
A escolha de ministros, principalmente do chamado “quinto” da OAB, tornou-se uma aberração: chega-se ali sem o “notável saber jurídico” e “reputação ilibada”, alavancados por apadrinhamento, bifurcado em política e poder econômico. Há também o que chamo de “sobrenomenologia”. E vão aqui alguns exemplos só no STJ: Francisco Peçanha Martins, era filho do ex-ministro do TFR Álvaro Peçanha Martins; Aldir Passarinho Filho, do ex-ministro do TFR Aldir Guimarães Passarinho; Maria Isabel Gallotti; prima do ex-ministro do STJ Paulo Galotti, que, por sua vez, era primo do ex-ministro do STF Octavio Gallotti; Jorge Tadeo Flaquer Scartezzini, irmão do ex-ministro do STJ Cid Flaquer Scartezzini (que, inclusive, o sucedeu); Raphael de Barros Monteiro Filho, filho do ex-ministro do STF Raphael de Barros Monteiro, o atual presidente do STJ e ex-Corregedor Nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, é filho do ex-ministro do STF Djaci Falcão, primo do então vice-presidente Marco Maciel e do procurador-geral da República Geraldo Brindeiro, e assim segue. Até no Supremo houve aberrações: o ministro Dias Toffoli, após ser reprovado duas vezes seguidas num concurso para juiz substituto estadual, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Pré-requisito: ex-advogado do PT.
No STJ, onde há vagas definidas por uma espécie de “cota” constitucional (OAB, magistratura e Ministério Público), a da OAB é preenchida após ferrenha disputa; há ministros que chegam às Cortes Superiores sem qualquer respaldo jurídico, prevalecendo, além da história do sobrenome, a política (Edson Vidigal, por exemplo, chegou ao STJ por ter sido advogado da família Sarney); àquela mesma Corte chegaram os ministros Antônio Carlos Ferreira (advogado da Caixa Econômica Federal) e João Otávio de Noronha (do Banco do Brasil). Sem dúvida, ali são postos não pelos seus lindos olhos, mas para defenderem os interesses de seus “padrinhos”. Nos pratos da balança, que representa a Justiça, o prato dos “padrinhos” pesa muito mais que o do mérito do candidato. Aí se explicam muitos fatos.
O critério político vale para todos os tribunais do país, estaduais e federais, sem exceção, fechando o círculo vicioso: os indicados dependem dos políticos, e virando ministros e/ou desembargadores, os políticos deles irão depender. E, com certeza, irão cobrar, pois neste nosso Brasilzão ninguém faz nada de graça. Seria o equivalente a doações de campanha eleitoral por empresas, que felizmente foram expurgadas no fim de 2015.
E assistimos a uma briga pelo poder no STJ, justamente entre dois que “entraram pela janela”, que se digladiam para ficar com o mando: Francisco Falcão, quase reprovado na sabatina “faz de conta” do Senado, que usa o cargo para perseguir seus desafetos, após uma gestão muito mal explicada como presidente do TRF-5, empanando sua “ilibada conduta”, e João Otávio de Noronha, que se notabilizou por mandar afastar magistrados e prender colegas (não os ministros, mas os corruptos), após sair direto de uma advocaciazinha arroz-com-feijão de banco para tomar assento numa Corte Superior; e, desafeto do presidente, passou o carro na frente dos bois, falando desautorizadamente, “em nome da Corte”, num desagravo por Lula ter dito que o STJ estava acovardado, tanto quanto o STF e o Parlamento.
E a mídia é prolífica em mostrar que ministros do STJ, que deveriam dar o exemplo, são investigados por venda de decisões e outras falcatruas. Dos seis ministros citados na Lava Jato e outros episódios, apenas Nancy Andrighi não é do “quinto”.
Este nosso Judiciário precisa ser urgentemente repaginado.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])