A jovem formou-se em Fisioterapia e fez mestrado, mas, como estava casada, cuidando de dois filhos e o marido, continuava com espaço livre nas horas vespertinas em que o casal de filhos estava na escola e o esposo no trabalho.
Nesse período sentiu-se incomodada. Pensava: “Ora, com excelente profissão, podendo ser útil a necessitados, por que não o fazer?” Foi até a um abrigo de idosos e ofereceu ao diretor os seus préstimos de fisioterapeuta, sabedora de que o alvo do seu ofício, em larga escala seria, também, aqueles internos.
O diretor da instituição exultou-se e disse-lhe:
– Será uma bênção; os nossos assistidos ficarão felizes com a sua abnegada colaboração, pois os ajudaria a livrar-se de dores e outros incômodos da idade...
– Será com grande prazer e alegria. Respondeu a profissional. Vamos, então, combinar dia e horário...
– Claro! Respondeu o diretor da casa. Porém, um possível problema me preocupa...
– O quê o preocupa senhor Werner?
– Não foram poucas as vezes que jovens profissionais se ofereceram para dar sua ajuda aos nossos assistidos; no entanto, tais colaboradores só o fizeram por um, dois ou três meses e, após, nunca mais voltaram...
– Ah, entendo...
– Quando nossos assistidos começaram a sentirem-se melhores e aliviados, a gostarem da ajuda dos voluntários, estes se afastaram e os abandonaram no ápice do contentamento e da esperança...
– Então – continuava o diretor a explicar – muito tristes, alguns se revoltaram, outros desacreditaram e não mais confiaram em alguns voluntários... Mas a casa precisa deles.
Eram eles (ou são ainda) muito importantes em suas vidas, a partir do momento em que deram amizade e esperança a todos; eram odontólogos, psicólogos, médicos, enfermeiros (que se tornavam pessoas a quem eles davam afeto, e pensavam que, também, eram correspondidos, e eram!). Mas, com a deserção deles, nossos pacientes ficam sem saber se devem confiar e crer nas suas promessas de retorno. Até aqueles que dispunham cortar seus cabelos os abandonam, e os que prometem trazer-lhes alguma prenda, ou prestar-lhes algum favor, deixa-os à espera das promessas e retornos. E muitos os aguardam até os dias finais, por uma resposta ou informação (que esperavam) e não vinha.
A moça sentiu-se triste e tocada no mais profundo sentimento de dó. Foi quando o sr. Werner, diretor, lhe contou:
– Lembrei-me agora do nosso querido paciente, seu Manoel, 77 anos, a quem um voluntário quis felicitar e indagou-lhe: “Já que o senhor aceita minha ajuda, vou lhe trazer um presente de aniversário ao completar os 78 de idade.” O que o senhor quer ganhar?
– Que ótimo! Respondeu o calmo ancião. Ainda bem que está próximo o meu aniversário que será no dia 22 e hoje é dia 1° do mês, daqui a 22 dias então...
– Combinado! Concordou o voluntário do bem. O que o senhor quer de presente?
– Pra mim, nada. Respondeu o senhor Manoel. – Quero que o meu jovem amigo pague uma dívida de 50 reais que devo ao compadre Maurício, que, certa vez, me salvou de certa dificuldade emprestando-me essa quantia. Poderá ser este o meu presente?
– Sim, claro! Respondeu o jovem Rodrigo.
– Mas não será muito pra você? Às vezes pesará no seu orçamento e eu não quero criar mais uma preocupação.
O jovem sorriu e exclamou eufórico: – Não é problema nenhum! Corresponde, apenas, a um terço de uma consulta que presto a um cliente. Fique tranquilo...
– Sabe, disse o sr. Manoel – não quero morrer com essa dívida a quem me foi muito especial. Vou à casa do compadre Maurício buscar seu endereço para dá-lo a você quando aqui voltar...
– E eu terei o maior prazer em pagar sua dívida. Porém, mesmo assim, quero lhe trazer um presente pelos seus 78 anos. O que quer? De que gosta?
– Não precisa de mais nada. Quite minha conta e estarei feliz.
– Não. Faço questão de lhe trazer um agrado. O que quer?
– Está bem, já que insiste, se quiser, pode me trazer um pudim daqueles que se vendem nas mercearias, redondo coberto de calda, vem num pratinho de papelão... Huum!...
– Sei, sei! Conheço. Deixe comigo. Farei as duas coisas. Semana que entra virei buscar o endereço do seu compadre e trarei o seu doce, por sinal, muito delicioso.
– E daí? Reiterou a fisioterapeuta.
O voluntário Rodrigo voltou na semana seguinte, um pouco apressado, pegou o endereço, disse que o desculpasse devido à sua pressa, mas que, na próxima terça-feira, ele tinha que voltar como de praxe, então, traria o prometido doce; que estava só de passagem devido ao endereço que fora pegar; mas precisava ir. E saiu às pressas, espalhando tchau e beijos. E nunca mais apareceu.
– Nunca mais? Perguntou a candidata à filantropia.
– Nunca mais! Explicou o sr. Werner.
– Eu não farei isso. Mas, e o sr. Manoel?
– Ah, minha filha, isso faz quase 10 anos. O nosso paciente morreu lamentando não ter pagado sua dívida ao querido compadre Maurício.
– Pelo menos o pudim, ele trouxe? Indagou a moça.
O diretor da instituição respirou profundamente e murmurou:
– Quero acreditar que ele tenha esquecido, pois um dia, quando o encontrei na cidade, perguntou pelo amigo sr. Manoel. Falei-lhe do seu passamento ocorrido algumas semanas atrás.
O voluntário ficou surpreso, não deu explicação nenhuma e seguiu adiante, pensativo, sem nada dizer.
Quanto ao nosso assistido sr. Manoel – acredite! – nunca mais tocou no assunto, de vez em quando perguntava pelo seu compadre Maurício e exclamava, a sós... – Até hoje não sei se ele recebeu o que eu lhe devia. Pena que não posso mais ir visitá-lo... Logo em seguida, recebe a visita de uma neta do compadre que veio lhe dizer da sua morte... Agora, não faz duas semanas, seu Manoel veio a óbito, sem saber de nada mais. Porém, nunca se esqueceu do delicioso manjar, sobre o qual, às vezes, perguntava:
– O moço do pudim não chegou ainda?...
Acredito que ele se foi comentando, somente, a última promessa que lhe fizeram, mas que não a cumpriram.
– É... – confirmou a nova voluntária. Se eu também não tiver a intenção de cumprir, não devo prometer. Porque ainda existem os simples que ainda acreditam em promessas.
Sim... Promessa nossa, esperança de outros.
(Iron Junqueira, escritor)