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OPINIÃO

Ridículo espantoso

A incrível dimensão do ridículo parlamentar do último domingo me impõe outra interrupção da série “A autofagia do PMDB e do PT”.

Estava eu em um hotel da cidade mineira de Coramandel, em breve viagem de cunho cultural, quando a televisão mostrou toda a sessão da Câmara dos Deputados. Claro que a pobreza intelectual da grande maioria dos parlamentares brasileiros, de alguns lustros para cá, é fenômeno crescente e do conhecimento quase geral. A mercantilização do processo eleitoral teria de tornar inevitável a outorga de mandatos quase que exclusivamente a detentores do poder econômico e a favorecidos pelo poder político não limitado por escrúpulos morais ou éticos. Mas confesso a minha surpresa em face das proporções que o fenômeno atingiu. O espetáculo iniciado à tarde e terminado quase à meia-noite foi muito além da pior expectativa quanto ao nível de preparo e até mesmo do caráter de muitos dos chamados representantes do povo na Câmara Federal.

Deprimente. A cena do deputado que levou para o plenário um jovem filho e manifestou que ia transferir para ele a manifestação do seu voto irá para o folclore brasileiro da imbecilidade e ficará nos anais do Congresso Nacional como nódoa inapagável. Deploráveis, sumamente deploráveis, as dezenas – ou centenas? – de invocações da “minha sogra”, “minha esposa”, “meus filhos”, “meu genro”, “minha nora”, “minha querida cidade”, o envio de “beijos para minhas netas”, e quejandos, cada qual mais impróprio e ridículo. Como ridículo também, para a opinião pública mais esclarecida, o cinismo do voto de um Paulo Maluf e outros notórios delinquentes. Por falar em delinquentes, em uma emissora de rádio, certo repórter informou a existência de cerca de duzentos deputados envolvidos em ações criminais, dentre eles oitenta já condenados. No site da UOL há esta informação: “Quase 200 deputados e senadores respondem a inquéritos ou ações penais no Supremo Tribunal Federal. Crimes eleitorais e contra a administração pública predominam, mas também há acusações de homicídio, sequestro e tráfico”.

Na própria Lava Jato há dezenas de indiciados: 27 do PP, 11 do PMDB, 10 do PT, vários de outros partidos.

O escarro de Jean Willys no colega Jair Bolsonaro; as mensagens deste e de seu filho Eduardo, de aplauso aos militares que depuseram João Goulart e torturaram Dilma Rousseff quando esta foi por eles aprisionada e tinha apenas 17 anos de idade, foram também tristes evidências: no primeiro caso de incivilidade e desapreço às graves responsabilidades de um mandatário no Congresso Nacional; e no de Bolsonaro pai e Bolsonaro filho da sua vergonhosa formação ideológica e péssimo caráter.

Lamentável, profundamente lamentável, o fato de ser Eduardo Cunha o condutor de uma das duas Casas representativas do Legislativo Brasileiro. Nacionalmente desmoralizado por suas falcatruas, ele teve de ouvir violentas referências à sua pessoa: numa delas um dos seus colegas ao proferir (antiregimentalmente, frise-se) o seu voto, dirigiu-lhe o adjetivo “ladrão”. A respeito dele, Eduardo Cunha, o povo brasileiro está certamente na expectativa da punição que lhe deve ser aplicada. Toda a opinião pública espera a cassação do seu mandato. Mas o comportamento até agora de grande número de parlamentares está a indicar vergonhosa impunidade.

Foi tão decepcionante, do ponto de vista da pobreza intelectual de grande número dos nossos representantes federais, a sessão da Câmara do Deputados do dia 17, que o Diário da Manhã de ontem estampou esta manchete de primeira página:

“Pobres não confiam mais nos políticos”.

(Eurico Barbosa é escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às quartas & sextas-feira - E-mail: [email protected])

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