Não tivesse evoluído o conluio golpista, sem dúvida, os índices de aprovação teriam caído, mas não a níveis tão baixos e repercussões tão altas
Caros caboclos, campesinos, sertanejos e ruralistas. Para não dizer que não falei de agronegócio, em 28 de março, o mercado futuro da bolsa de Chicago cotou o milho a 374,75 US$ cents/bushel. No oeste da Bahia, a saca de 60 kg do grão está sendo negociada a R$ 42,00. A soja vai na mesma levada. Ponto! Diante de como está o País, penso até ter ido muito longe.
Quando esta coluna for publicada será 1º de abril, dia da mentira. O que conto aqui, porém, é verdade inconteste.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mesmo provado ser um político corrupto, com dinheiro ilícito oculto em bancos suíços, vestiu vocês de verde e amarelo para derrotar uma mulher de história guerreira, vida ilibada e honesta, presidente da República, em segundo mandato eleita com 54 milhões de votos em pleito majoritário livre.
Desde que assumiu o cargo, o indigno deputado declarou-lhe guerra e confessou impedir-lhe governar. Fez. Foi hábil a ponto de parar o País, prejudicar a todos nós, e pôr a culpa nos ombros da presidente.
Em ato final, golpeia a Constituição democrática, sob o olhar cupido de uma burguesia politicamente analfabeta, sem provar ilícitos que justificassem um impeachment.
Não foi difícil nem demorado. Escapou da cadeia, que a julgar outras prisões é onde deveria estar, e deixou-se usar para arregimentar interesses diversos.
Primeiro, o seu execrável e fisiológico partido, o PMDB. Seguiram-se a vaidade traidora de um vice-presidente, os holofotes do vice-reino de Curitiba, as intenções persecutórias de Gilmar Mendes, a instrumentalidade interesseira das folhas e telas cotidianas, uma oposição que nunca formulou plano de governo factível para assumir o Poder Executivo no voto e, finalmente, os mais reacionários segmentos da elite econômica. Pronto, venceu.
Mais digno se fosse como em 1964. Inimigo mais nobre e explícito. Tanques e tropas desceram de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, em ação costumeira na América Latina, o que nos fazia saber como resistir. Foram 21 anos, mas lutamos e reconquistamos a democracia. Pífia, economicamente malsucedida, mas legítima.
E agora a quem deveremos combater? Quais os inimigos? Os analfabetos políticos que se unem na Avenida FIESP sem entender que grande parte de nossos males econômicos lá está sediada? A Rede Globo e as poucas famílias donas da mídia, que desde o primeiro dia dos sucessivos governos do PT se insurgem contra a política de inserção social na contramão do neoliberalismo até então vigente?
Na época, pensávamos a esquerda ter chegado ao poder. Depois da ditadura e de três derrotas em eleições presidenciais, em 2003, o PT, representado na popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva, tomou posse representando nossos anseios.
O feito, em quatro sucessões de mandatos de Lula e Dilma Rousseff, está aí em suas controvérsias e frangalhos, por único e não desenvolvimentista fator: uma senhora velha, decadente, conflituosa em seus interesses, confusa no planejar, mantida viva com mandingas e não tecnologias, insiste manter o acordo secular de elites. Seu nome “Governabilidade”.
Desculpem-me o termo chulo, mas que merda é essa? Manter tudo como sempre foi? O bem-bom para nós, os meritosos, e os córregos de esgotos ao ar livre para quem é subalterno? Quem melhor do que o PMDB representa o papel dessa senhora?
Um ponto, porém, não se põe em discussão. Além da legitimação nas urnas, os incontestáveis e longos períodos de aprovação popular dos governos petistas têm significados claros. O que mudou?
Não tivesse evoluído o conluio golpista, sem dúvida, os índices de aprovação teriam caído, mas não a níveis tão baixos e repercussões tão altas. Desta vez, a “Senhora Governabilidade”, em seus aspectos mais escabrosos, exagerou.
Fosse assassinada, por certo, as democracia, economia e sociedade brasileiras não estariam passando por tantas dificuldades.
A favor da governabilidade
A ABIMAQ, Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, como membro da Federação de Corporações Brasil, manifestou-se em defesa da governabilidade. O presidente da W Torre declarou que o governo deveria renunciar. A FIESP acha o mesmo. Estariam corretos, soubessem quem é essa senhora.
Não estranhemos. As corporações apoiam a democracia da mesma forma como os clubes de futebol com seus técnicos. Apenas enquanto ganham. Quando não, os depõem.
Nos anos de governo PT, a venda de máquinas e implementos agrícolas lavou a égua do último páreo, o que não acontecia há décadas. O mesmo com caminhões, sem renovação de frotas, e a construção civil.
Bastou um perrengue mais forte se alevantar para eles perderem a memória. Nunca o empresariado nacional fez diferente. Acreditam em crescimento eterno, o que os faz tolos. Planejam em séries históricas projetadas para o futuro. O mundo é bem mais complicado do que isso. A “Governabilidade”, também.
(Rui Daher, colunista de CartaCapital, criador e consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola - [email protected])