A complexidade do ser humano já foi apontada em múltiplas direções por diferentes linhas de pensamento. Por que eu digo isto? Nesse tira-teima objetivando o impedimento da Dilma do poder as pessoas dividem opiniões. É golpe, apontam os defensores do governo que acaba de ruir. Não é golpe, retrucam os demais. E nessa linha, sugere-me a busca do antes e depois dos governos vinculados ao PT. Num resumo, pode-se dizer que o que sobrava em Lula, faltava na Dilma. O diálogo com as forças políticas.
Vamos voltar ao pós - eleição de Lula. Eleito, o mercado econômico e financeiro entrou em redemoinho. Quem pagou o pato foi o Fernando Henrique que viu seu final de governo ser manchado pelos desajustes. Inteligente e querendo assumir a presidência sem maiores percalços, Lula lançou uma Carta aos Brasileiros. Era a demonstração de que conduziria o País numa linha moderada, o que se pode chamar no plano político e ideológico de centro.
Para demonstrar a tendência político-ideológica do governo petista e, assim, tranqüilizar o mercado, Lula buscou ninguém nada mais nada menos que Henrique Meireles. O currículo do novo presidente do Banco Central não deixava margem a dúvidas. Presidente do Banco de Boston, salário de R$l milhão e recém eleito deputado federal pelo PDSB de Goiás. Nascido em Anápolis, Meireles foi o deputado mais votado. Tinha, portanto, todas as fichas para assegurar a estabilidade.
O Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal, criados por Fernando Henrique Cardoso, constituíram nas principais ferramentas para colocar o governo nos eixos. A inflação endêmica e galopante foi, finalmente, contida. A carestia era a maior dor de cabeça aos bolsos da família brasileira. Quem viveu aquela época sabe explicar o que era o preço de um determinado produto numa hora, e outro noutra. Nos supermercados via nitidamente o funcionário atrás de você remarcando preços. O salário vivia em queda livre.
A Lei de Responsabilidade Fiscal eu a comparo com a vida doméstica de qualquer cidadão ou de qualquer família. Não podemos gastar mais do que ganhamos. Com isso, procede-se ao equilíbrio entre receita e despesa. A bem da verdade, o Partido dos Trabalhadores ficou contra as duas medidas então propostas pelo FHC. E a ironia da era Lula: o Plano Real e a LRF foram os responsáveis pela inclusão social tão decantada em seu governo. E que contribuiu para a eleição de Dilma, embora jamais tenha enfrentado as urnas antes.
Pessoalmente, passei por uma experiência inédita com o advento do Real. Acostumado a viajar para o exterior, graças naturalmente à minha condição de jornalista, sempre compra dólar para os meus gastos. E numa dessas viagens, qual a minha surpresa ao chegar a Santiago do Chile! Os cambistas da capital chilena queriam o Real porque valia mais do que dólar. Até me arrepio quando lembro o episódio.
A história do PT se confunde com a do Lula. Um metalúrgico, oriundo do Nordeste, e que ascende às elites merece espaço na mídia e na literatura de qualquer povo. O Brasil não é diferente. No processo de redemocratização, Lula peregrinou por todo o País. Entrevistei o então líder operário na carroceria de um caminhão em Goiânia. A Folha de S. Paulo queria a entrevista, que saiu estampada com destaque em sua edição do dia seguinte. Então, já era o “cara”, como repetiu Obama anos depois na visita do então presidente Lula à Casa Blanca.
Lula gostou do poder. E quem não gosta? O homem se completa com o poder. As grandes empreiteiras passaram a contribuir pela permanência do governo petista. Se eles queriam o poder, elas dariam o suporte financeiro. Uma eleição é cara. Gasta-se com frotas de carros dia e noite, muita gasolina, muita gente, almoço, janta, lanche, hotel, pensão na beira da estrada, avião a jato percorrendo o Brasil de norte a sul, de leste a oeste, viagem de barco, etc.
Os recursos teriam de vir dos poços de petróleo. A Petrobras, criada numa espécie de manto sagrado pelo presidente Getúlio Vargas, tornou-se a grande bomba de sucção do dinheiro das campanhas políticas.
O PT, criado para conter as práticas desonrosas de outros partidos, sujou a sua ficha. A Operação Lava Jato fustigou a vida de muitos e a cadeia passou a ser pequena para empresários renomados da sociedade internacional. Políticos históricos pagam nas grades os crimes cometidos. São acusados de pagamento de propinas para partidos em troca de fraudes em licitações da estatal. Entre eles, José Dirceu, José Genoíno, José Roberto Arruda, então governador do DF.
Com esse cenário, assim como nas Diretas Já nos idos do regime militar em 80, o povo acorreu às ruas. Já que poucos políticos reagiam, como no passado a Praça da Sé em São Paulo reuniu mais de um milhão nas manifestações de protesto. Uns, querendo a saída de Dilma, outros da presidente e do PT juntos. As ruas do Brasil inteiro foram gradativamente tomadas. Era a demonstração de que os brasileiros haviam cansado dos governos petistas. Se Lula e Dilma alcançaram índices de aprovação de quase 80% no passado, agora o Ibope da presidente afastada se limitava a 10%.
Políticos consagrados, e alguns que até contribuíram pela criação do PT em 1980, ante a corrupção que se alastrava, deixaram gradualmente o partido. Entre os notáveis, Cristóvão Buarque, que foi governador de Brasília e senador; Plínio de Arruda Sampaio, uma verdadeira legenda, Luiza Erundina, que fora prefeita de São Paulo; Luciana Genro, Marina Silva, Marta Suplicy, também ex-prefeita de São Paulo, Heloísa Helena, Fernando Gabeira e Hélio Bicudo. Não adianta jogar pedras neles. São pessoas íntegras e que merecem o respeito da sociedade brasileira. Assim como tantos outros que, muitas vezes, permanecem no partido. Mas, sentem-se constrangidas e impotentes antes o mar de lama. Por isso, permanecem escondidas.
Os que se exaltam ou são partícipes em maior ou menor grau do processo de corrupção, agem motivados pela ideologia, não importando os meios para atingir os objetivos, ou são inocentes úteis.
Lembro bem que através do facebook, nos últimos meses havia partidários de Dilma ou do PT que para rebater as investidas contra o governo, atacavam FHC, como se ele estivesse no poder. Era claramente uma maneira sem lógica de desviar a atenção. Na época, respondia que o maior inimigo do governo petista não era quem eles pensavam. Seus adversários políticos eram os seus aliados do PMDB. Ora, assistindo um dos programas eleitorais deste partido pelas redes de televisão, ouvira somente críticas aos petistas e a presidente.
Ora, o discurso do vereador, prefeito, deputado estadual ou federal, governadores demonstrava insatisfação com o então governo. E a crítica era ácida. Enquanto isso, o FHC botava panos quentes, contemporizando a gestão de Dilma. Assim, quando já fizera no governo Lula, que já poderia ter sido fustigado e talvez até cassado o mandato naquela época, o líder tucano ponderava.
Hoje, quem duvidou, sentiu quem era o verdadeiro adversário. Se o processo de impedimento foi golpe ou não, a interrogação fica para os dois lados. A História dirá. O impeachment é previsto na Constituição do Brasil. Pelo que acompanhei, houve prevaricação, numa linguagem do Direito. O governo Dilma desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal ou, numa linguagem atual, praticou as pedaladas. Em resumo: gastou mais do que arrecadou. O rombo é de trilhão. A sociedade pagará o pato.
No sentido político, o povão nas ruas cobrando combate à corrupção da Petrobrás, apoiando a Polícia Federal e o juiz Sérgio Moro, fora Dilma, Fora PT, a inflação ensaiando galope, o desemprego crescente, a dívida pública, a torração do dinheiro público, as mentiras para Dilma se reeleger, entre tantos desatinos, influenciaram na histórica votação pelo impedimento da presidente. Não importa, se a mesa diretora dos trabalhos era presidida por Eduardo Cunha, se membros da Câmara Federal estão enterrados até o pescoço também na corrupção. A votação, na verdade, foi surpreendente pelo número de votos, superando os sufrágios dados a Dilma. É preciso lembrar que nem todos os deputados compactuam com a corrupção. O protesto das ruas pesou na balança.
Penso, contudo, que se a presidente fosse aberta ao diálogo, possivelmente teria encontrado menor resistência na Câmara. Ela repetiu a maneira arrogante de Fernando Collor, também cassado. O Lula, que abriu as comportas da Petrobras aos sucessivos escândalos e que resultou na Operação Lava Jato, saiu-se “bem” quando presidente, porque mantinha o diálogo aberto com os diferentes escalões da sociedade brasileira.
Não foi ele que buscou o PMDB e outros partidos para a condição de aliados? E fomentou, ainda, a criação de dezenas de partidos nanicos para comporem o seu governo? Quando sentiram que o governo Dilma fora pro brejo e o PMDB seria o sucessor natural, mudaram de barco. É a costumeira prática fisiológica.
Recém chegado ao poder, Michel Temer já sente as pressões por cargos. O propósito de reduzir o número de ministérios pela metade ficou no meio do caminho.
O presidente em exercício, porém, é de diálogo. Trata-se de um político calejado. Seu homem – chave, Henrique Meireles, é da confiança do sistema econômico e financeiro. Deve tocar o barco a contento, embora o mar esteja revolto por rombos nos cofres da União, pelos índices inflacionários e pelo desemprego.
Há, contudo, novas esperanças. Naturalmente, motivadas pelas primeiras medidas de saneamento das finanças públicas, que tendem a restabelecer a confiança no Brasil e que, assim, podem provocar os investimentos que foram gradualmente aplicados noutros países. E de forma gradual recuperar os bons índices econômicos e os empregos. O Brasil tem atualmente 10 milhões de desempregados e milhões de subempregos. O País precisa voltar a crescer. Seu potencial é grande. A bandeira nacional dá os caminhos: Ordem e Progresso.
(Wandell Seixas, jornalista voltado para o agro, bacharel em Direito e Economia pela PUC-Goiás, ex-bolsista em cooperativismo agropecuário pela Histradut, em Tel Aviv, Israel, e autor do livro O Agronegócio passa pelo Centro-Oeste)