“Devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social”.
“Essa economia mata”. “O sistema social e econômico é injusto em sua raiz”.
“É um mal embrenhado nas estruturas”
(Papa Francisco. Alegria do Evangelho - EG, 53 e 59).
No dia 19 de abril passado, em reunião com a direção do PT, Lula reconheceu os erros que cometeu na composição de alianças. Antes tarde do que nunca! Pessoalmente, já sabia desses erros desde o primeiro dia do primeiro mandato do Lula: 1º de janeiro de 2003.
Desde aquela época, o PT, vislumbrado pelo poder ou - como diz Frei Betto - “picado pela mosca azul”, abandonou o seu projeto político popular e fez alianças com forças políticas que defendem - a qualquer custo e com qualquer meio - o projeto do sistema capitalista neoliberal, que é “um sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385).
Mal comparando, o PT acreditou que “as galinhas pudessem fazer aliança com a raposa”. Aqui está o erro que é a raiz de todos os outros erros. No fundo, o PT não acreditou na força da organização do povo e no slogan que ele mesmo sempre gritava aos quatro ventos em todas as manifestações: “povo unido, jamais será vencido!”. Abandonou o princípio - que até então para o PT era sagrado - de somente fazer alianças com forças políticas situadas no campo democrático popular. Fazendo alianças com o poderosos, o PT renegou sua história.
Por sua vez, os poderosos usaram a popularidade de Lula e a força política do PT enquanto era do seu interesse, permitindo (como prêmio de consolação) que os pobres tivessem algumas conquistas sociais e alguns ganhos, mas sempre dentro do sistema e sem implementar nenhuma reforma política que levasse a uma mudança do modelo econômico.
Essas conquistas e esses ganhos dos pobres não impediram os lucros exorbitantes dos ricos. Pelo contrário! “Permitiram - como afirma o sociólogo Boaventura de Sousa Santos - que os ricos e as oligarquias continuassem enriquecendo. Os bancos, por exemplo, nunca ganharam tanto dinheiro no Brasil como nos tempos de Lula. Mas como (devido à conjuntura favorável, o chamado boom das commodities). os preços (das matérias-primas) eram altos, sobrava um excedente significativo para fazer uma redistribuição sem precedentes. Por meio de mecanismos como Bolsa Família e outras políticas sociais, foi possível que 45 milhões de pessoas saíssem da pobreza, o que é um fato político muito importante” .
Não podemos esquecer, porém, a ambiguidade desses programas sociais: de um lado, servem (pelo menos enquanto os programas existem!) para melhorar a vida dos pobres (o que é muito positivo); de outro lado, servem também para desmobilizar os Movimentos Populares, evitar o perigo de revoltas e manter o povo submisso. Infelizmente, os governos do PT não abriram nenhum caminho que levasse a uma mudança de estruturas. Deu no que deu!
Quando as forças políticas e econômicas poderosas, que são forças “diabólicas”, perceberam que, devido a uma situação de crise mundial e nacional, tinham a chance de retomar o poder e que não precisavam mais do PT, do Lula e da Dilma - numa conspiração muito bem tramada por um grupo de traidores, chefiado por Michel Temer, o traidor-mor - o Senado, por 55 votos a 22, abriu o processo do impeachment, que é (como diz a presidenta Dilma em sua Declaração) uma “farsa jurídica e política”, ou, em outras palavras, uma farsa institucional, um verdadeiro golpe: um golpe baixo, sujo e fraudulento, hipocritamente revestido de legalidade.
Presidenta Dilma - mesmo na “dor da injustiça sofrida” (como afirmou em sua Declaração) - é tempo de autocrítica, é tempo de buscar novos caminhos, é tempo de voltar às fontes, é tempo - como diz Frei Betto - de reinventar o PT (e outras forças políticas populares), é tempo de retomar o trabalho de base. Não adianta chorar o leite derramado! Bola para frente!
Presidenta Dilma, aproveite o tempo do seu afastamento provisório - que é o tempo do “golpista interino” (e não do “presidente interino”) para - em caráter de urgência - fazer uma grande convocação nacional com o lema: virada já! Sugiro três frentes de luta: frente jurídica, frente popular e frente internacional.
Frente jurídica: presidenta Dilma, convoque para uma reunião a Rede Nacional de Advogados Populares (Renap) e outras Organizações Populares de Advogados, que atuam desinteressadamente em todas as regiões do país, defendendo os direitos dos Trabalhadores/as. Com certeza, os advogados/as dessa Rede e dessas Organizações terão o maior prazer de colaborar, de maneira organizada, na sua defesa contra as injustas acusações, que levaram à abertura do processo de impeachment.
Frente popular: presidenta Dilma, convoque para uma reunião as lideranças dos Movimentos Populares e das Centrais de Movimentos Populares, as lideranças dos Sindicatos de Trabalhadores/as e das Centrais Sindicais de Trabalhadores/as, que (por não serem pelegos e pelegas, como - infelizmente - alguns Sindicatos e algumas Centrais Sindicais) lutam por um projeto político popular, para: colocar o Brasil inteiro em estado permanente de mobilização; denunciar que o impeachment sem crime de responsabilidade é um golpe na democracia e nos direitos humanos e (como afirma em sua Declaração) “a maior das brutalidades contra o ser humano”; divulgar amplamente na mídia o nome dos deputados e senadores que votaram e continuam votando contra o povo, a fim de que, nas próximas eleições, sejam banidos para sempre da vida pública.
Frente internacional: presidenta Dilma, convoque para uma reunião lideranças populares de outros países da América Latina e do mundo para sensibilizá-las sobre o que está acontecendo no Brasil e suscitar uma grande rede de solidariedade e apoio.
“Esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a colocar a dignidade humana no centro, e que, sobre esse alicerce, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos” (Papa Francisco. 1º Encontro Mundial dos Movimentos Populares - EMMP. Roma, 27-29/10/14).
“Povo unido, jamais será vencido!”. Virada já!
(Fr. Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG. E-mail: mpsassatel[email protected])