As famílias brasileiras atravessam um momento delicado e de muita fragilidade que reflete os valores que regem a época em que vivemos: consumismo, avanço tecnológico, individualismo e descartabilidade. A sociedade gira em torno do dinheiro e de tudo aquilo que ele pode comprar. As pessoas precisam trabalhar mais e, trabalhando, se acham merecedoras de consumir mais. E, quanto mais trabalham, mais consomem e menos têm tempo para elas, a família e os amigos.
Os pais precisam trabalhar mais, para ter condições de consumir celulares, carros, roupas, escolas particulares, novas tecnologias. Acabam dispondo de pouco tempo para os filhos. Tendo menos tempo, se sentem culpados, e tentam substituir a ausência por presentes. Além do fato de que o pouco tempo que têm com os filhos é de pouca qualidade, pois estão cansados. As crianças passam a maior parte do tempo fazendo o que querem e a hora que querem.
Educar é dar amor e dar limites. Educar não é importante, é tudo. As crianças de hoje não têm nem amor, nem limites. Os pais precisam entender que, para a criança, o que importa não é a quantidade de tempo que dedicam aos filhos, mas a qualidade desse tempo. Afeto é afeto. Não se gosta mais daqueles que estão perto e menos dos que passam boa parte do tempo longe. Gostamos de alguém pelo tratamento, atenção e carinho que nos dispensa. Não se ensina ninguém a dar ou receber afeto.
Há vários problemas decorrentes da falta de interação afetiva e respeitosa entre membros de uma família. Destaco o grande aumento de gravidez na adolescência. Meninas de 14, 15, 16 anos estão engravidando. Essas meninas não têm a menor noção do que isso representa na vida presente e futura delas. Nasce uma criança que, num primeiro momento, andará nos braços da jovem mãe como uma boneca e, mais tarde, quando cansa de brincar com a boneca, entrega seus cuidados ao familiar mais próximo. Ou seja, será criada, se com sorte, pelos avós. Se não, pela vida. Vendendo balas e doces em sinais de trânsito, trabalhando para traficantes, se prostituindo...
Cabe ressaltar que, nesses casos, a responsabilidade é inteiramente dos pais que, definitivamente, não educaram suas filhas. Isso se torna uma bola de neve. Os pais não educam seus filhos, os filhos não educarão os seus e assim por diante.
A maior parte dos problemas gira em torno do sentimento de solidão. As pessoas se sentem sós. Está cada uma na própria tribo, na rede social. Com o avanço tecnológico, as pessoas substituíram a presença física do outro para estar com o outro através da tecnologia. O pertencimento a essas tribos não mais satisfaz. E elas não percebem. Simplesmente, adoecem. Nunca se teve antes tanta depressão, pânico, fobias, crises de ansiedade e afins. Como consequência, nunca se consumiu tanto drogas, lícitas e ilícitas, na tentativa de combater esses transtornos e afastar a solidão. O individualismo dos membros das famílias brasileiras chegou a tal ponto que a mãe está num quarto e a filha em outro, e se falam por WhatsApp.
Pais e filhos não se sentam mais à mesa para fazer as refeições, conversar. Cada um faz sua refeição em cômodos diferentes, atentos às suas tribos nas redes sociais.
A solução possível é uma reorganização das relações familiares, na qual pais e filhos dialoguem, se divirtam juntos. Enfim, resgatem o sentimento de família, que é a base de uma sociedade saudável e de pessoas bem-sucedidas existencialmente.
(Virgínia Ferreira, psicanalista e professora da Faculdade de Medicina de Petrópolis)