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Quando o Minha Casa, Minha Vida se torna impagável

A aquisição de um imóvel para morar é, certamente, o maior sonho do brasileiro. Entretanto, é preciso estar atento para que esse sonho não se torne um pesadelo. Essa semana recebi mais um cliente no escritório com um contrato de financiamento imobiliário do Minha Casa, Minha Vida - MCMV. A cliente solicitava uma análise técnica do seu contrato de financiamento pois, segundo ela, as prestações estavam tendo seus valores aumentados mensalmente enquanto deviam, na verdade, diminuir. Após breve análise do contrato pude perceber que não só as prestações mensais estavam aumentando, mas também o saldo devedor estava ficando maior, ou seja, o contrato estava se tornando impagável.
O programa Minha Casa, Minha Vida foi criado em 2009 pelo Governo Federal buscando permitir o acesso à casa própria para famílias de baixa renda (aquelas que ganham até R$ 5.000,00). O programa prevê subsídios e facilidades no financiamento imobiliário, como forma de permitir a aquisição do primeiro imóvel familiar e estimular a cadeia produtiva da indústria da construção civil, gerando emprego e renda. Entretanto, a legislação que criou tal programa (Lei nº 11.977/2009) permitiu a adoção do Sistema Francês de Amortização para o cálculo das prestações mensais. Esse sistema de amortização, também conhecido como Tabela Price, permite a capitalização mensal dos juros ao passo que proporciona uma parcela fixa a ser paga mensalmente pelo devedor. Até aqui, apesar de aumentar em muito o valor que deverá ser pago de juros, a dívida pode ser quitada em seu prazo normal. O maior problema surge quando se junta a esse contrato a atualização monetária do saldo devedor.
A atualização é a correção monetária aplicada sobre o saldo devedor do financiamento. Nos contratos do Minha Casa, Minha Vida, a Súmula 454 do Superior Tribunal de Justiça – STJ permitiu a adoção da Taxa Referencial – TR para a atualização do saldo devedor. O problema é que nos últimos meses temos visto uma escalada crescente da TR, devido à inflação. A adoção do sistema de amortização com prestação fixa e atualização monetária do saldo devedor pela TR torna a dívida impagável. Só para exemplificar: um contrato de financiamento da casa própria feito em out/2014 no valor de R$ 150.000,00, usando essa sistemática que permite a aplicação da TR em uma prestação calculada pela Tabela Price, hoje tem um saldo devedor de R$ 151.505,20. Ou seja, o mutuário pagou 19 prestações (perfazendo um total pago de R$ 18.288,25) e está devendo R$ 1.505,20 mais do que tomou emprestado. Essa é a realidade de boa parte dos contratos feitos nos últimos anos no âmbito do Minha Casa, Minha Vida – MCMV, tanto no Banco do Brasil – BB quanto na Caixa Econômica Federal – CEF.
Permitir um financiamento que adote a Tabela Price e a atualização do saldo devedor pelo mesmo indicador que aumenta a prestação é, no mínimo, cruel. Isso porque a TR aplicada sobre o saldo devedor vai gerar uma prestação mensal crescente e, ainda assim, insuficiente para pagar qualquer parcela de amortização. Essa é a ‘amortização negativa’, muito famosa nos contratos imobiliários feitos nos anos 1970/80, na época da hiperinflação. O MCMV um programa que, em sua base, deveria permitir que as pessoas de menor renda tivessem o tão sonhado acesso a casa própria e acaba se tornando uma triste quimera, uma busca pelo fim do arco-íris. Nesse sistema, esse contrato nunca será quitado e quando o devedor finalmente pagar a última prestação receberá a sádica notícia que ainda possui um saldo devedor enorme que, por vezes, será maior que o valor do imóvel adquirido.
O mais vergonhoso é que a legislação define que o cliente decidirá qual sistema de amortização lhe parece mais adequado. Sabendo que o programa é voltado para a parte mais carente da população, como é que o indivíduo vai saber qual é o melhor sistema de amortização? Isso porque a maior parte da população não tem acesso a aulas de matemática financeira para aprender a diferença entre os sistemas de amortização e qual deles é o mais prejudicial pra quem está devendo. O cidadão sabe apenas que está, finalmente, realizando o sonho de adquirir a casa própria e que vai deixar de morar de aluguel, na ‘casa do outro’.
O Minha Casa, Minha Vida continuará entregando milhares de casas em 2016 e, se não houver uma mudança nessas regras urgentemente, induzirá mais pessoas a adentrarem nesse caminho de servidão pela dívida. Afinal, gente endividada não reclama, não faz greve, não luta... só paga boleto.

(Edilson Aguiais, economista, professor de Economia na PUC/GO e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de Goiás – Corecon/GO)

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