As cidades serão o verdadeiro motor de transformação do estilo de vida e da economia do mundo nas próximas décadas. Para suportar essa concentração de pessoas, muita tecnologia e inovação são necessárias para garantir o bom funcionamento dessas cidades. Entretanto, para tornarem-se realmente inteligentes, é fundamental que além de uma maturidade social e tecnológica, os municípios identifiquem seus potenciais e melhorem seus processos de políticas públicas, para otimizar seus recursos e gerar valor direto ao cidadão.
Falar de cidades inteligentes pode trazer certo receio, pois está associado a algo complexo e difícil. Mas tornar uma cidade mais inteligente, eficiente e sustentável não é tão complexo quanto se imagina, deve-se evitar os projetos top-down (onde as soluções são definidas sem necessariamente agregar valor para o cidadão) e optar por projetos que nascem com a capacidade de melhorar a vida do cidadão, partindo da premissa “pense grande, mas comece pequeno”.
Existe uma teoria de que primeiro uma cidade precisa ser digital, depois conectada, sensorizada, para então tornar-se inteligente. Em alguns casos isso é uma verdade, mas não uma regra. É possível trazer inteligência direta para uma cidade sem nenhum tipo de conectividade. Hoje em dia todo mundo possui smartphone, ou seja, grande parte da população está conectada de uma forma ou de outra. Mesmo não tendo uma banda larga, é possível disponibilizar um serviço agregado, como o aplicativo Waze, por exemplo. O Waze é uma ferramenta de inteligência que não depende de nenhuma infraestrutura pública, apenas privada.
Mas para outras tecnologias e conceitos é necessário sim, nascer digital, transformar em conexão, sensorizar alguns elementos, para então partir para a inteligência. Uma iniciativa de cidade inteligente deve ser construída em etapas, começando pelo pressuposto de que não se trata apenas de tecnologia, e ela deve ser vista como um meio. A inteligência precisa de um objetivo final, que é trazer valor para o cidadão, em um ecossistema que envolve questões tecnológicas, sociais e sustentáveis. Este é o conceito: começar pequeno, testar, desenvolver cultura e, só depois, criar iniciativas maiores. Sempre de maneira gradativa.
As métricas são fundamentais para a conceituação das cidades inteligentes. Todo projeto tem um objetivo, todo objetivo tem um resultado esperado e todo resultado esperado tem uma métrica e um indicador. Como se faz isso? O segredo está em começar com o levantamento de um dado, transformá-lo em informação e fazer algo com aquela informação.
Mas, como essa informação é utilizada na prática? O que é possível fazer com informações de uma praça com sensores de estacionamento, por exemplo? Em uma cidade localizada no interior paulista, foi detectado que o tempo médio de utilização das vagas de estacionamento era de cerca de oito horas. O estacionamento está sendo muito bem utilizado? Não, pelo contrário, pois trata-se de uma área comercial e ninguém fica oito horas em uma praça localizada em uma região comercial. Descobriram então que os donos dos estabelecimentos estavam utilizando as vagas dos clientes. Com esta constatação, o dado tornou-se informação, que foi discutida em uma reunião da associação comercial na qual definiram que era necessário que os comerciantes estacionassem seus veículos do outro lado da praça para disponibilizar as vagas para os clientes. Resultado: o tempo médio do estacionamento foi reduzido para 45 minutos. Esse é o bom uso da informação com inteligência. É preciso perseguir esses conceitos para garantir bons resultados.
Atualmente, grande parte dos projetos conhecidos como projetos de inteligência, são iniciativas top down. O que seria isso? O prefeito define que quer mais segurança e instala, por exemplo, 300 câmeras de alta definição em toda cidade. A região passa a estar monitorada, correto? Errado. Quem está olhando aquela câmera? São inúmeras horas de vídeo sendo armazenadas em um HD, que serão utilizadas, na melhor das hipóteses como playbacks em investigações policiais ou demandas jurídicas. A inteligência para esse tipo de caso está em você detectar um evento, disparar um alarme e acionar uma viatura para averiguação de um incidente. Ou agregar isso à uma ferramenta de colaboração do cidadão, como um aplicativo, ou o cidadão reportar um incidente e essa informação ser útil aos órgãos de segurança. Uma iniciativa 100% top down não garante efetivamente a geração de valor para o cidadão.
A contrapartida é o projeto bottom up, no qual o cidadão demanda um certo valor que acaba sendo incorporado pela gestão pública. O Waze, mais uma vez, é um exemplo prático disso, pois trata-se de uma iniciativa 100% bottom up, um valor que o cidadão carrega no bolso. A gestão pública está começando a enxergar que este tipo de app pode ser uma ferramenta para melhorar o processo de mobilidade, uma fonte importante de informação para a cidade.
As duas maneiras são válidas, desde que fique claro o que cada iniciativa esta gerando de valor para o cidadão. O processo de construção desses projetos nasce na identificação desse valor. O primeiro passo é descobrir quais são os principais problemas e necessidades de uma comunidade. Depois é preciso criar um catálogo de serviços, que nada mais é do que um ecossistema de parceiros e fornecedores, provendo diferentes tipos de soluções. A próxima etapa é trabalhar todas essas soluções em uma plataforma integrada, na qual todos os dados possam ser consolidados, e, por fim, os gestores já estão aptos a definir seus objetivos e conquistar os resultados por meio desses indicadores de inteligência.
A inteligência da cidade, portanto, começa mesmo a acontecer quando as informações geradas pela tecnologia e pelos usuários são vistas de forma integrada e com objetivos bem definidos. As cidades inteligentes chegam para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.
(Washington Tavares, CTO da Tacira, primeira empresa brasileira especializada em soluções para cidades inteligentes)