Na semana passada dois fatos jornalísticos me chamaram a atenção, tanto é que os divulguei no meu Facebook: um fato foi o daquela ginasta americana nota 10 nas Olimpíadas, que teria sido discriminada a partir do teste de doping, porque usava medicamentos para hiperatividade. Outro fato é a intensa campanha contra medicações psiquiátricas, cujo eco pôde inclusive ser ouvido aqui, nas páginas do Diário da Manhã.
No debate que comecei no Facebook surgiram algumas opiniões (algumas editadas, para melhor compreensão). Reproduzo-as, com minhas respostas aos questionamentos, guardando o anonimato das pessoas.
Leitora 1 diz : Esse descrédito com o TDAH- transtorno de hiperatividade - é difícil... Dizer que o transtorno é fictício... Até médicos não acreditam, mas não tem nenhuma experiência com o assunto.
Leitora 2 diz: Não são só médicos. Também psicólogos, muitas vezes, causam essa “psiquiatrofobia”... Já vi vários em movimentos conta medicalização e "anti manicômio", o que acho muito triste...Irem contra algo que não é do conhecimento deles. Já ouvi até uns dizerem que surto em esquizofrênicos podem ser muito bem tratados apenas com terapia. Óbvio que existem profissionais e profissionais no mundo e não é justo generalizar... porém é algo que me entristece.
Resposta minha: Há, de fato, até uma campanha nacional, urdida, com muitos recursos, muito bem mobilizada, sobretudo por alguns profissionais da psicologia - como dito acima -, mas também pediatras, pedagogos, contra a pretensa "medicalização farmacêutica" da pretensa doença hiperatividade... Em muitos casos há medicalização desnecessária? sim. Há médicos vendidos para a industria farmaceutica? sim. Mas daí a dizer que hiperatividade não existe, não é um problema médico, não precisa ser medicada, etc, é uma longa trajetória,com consequências catastróficas para muitas famílias... Quantos pacientes infectados com HIV, já presos, moradores de ruas, dominados pelo crack, pela delinquência, eu já não peguei? Tudo porque sua “não existente hiperatividade nunca foi diagnosticada na infância”.
Leitor 3: A compreensão de que se trata de uma característica e não de uma "doença", evitaria o que acontece nos EUA onde as escolas forçam as familias a medicalizarem as crianças, para se ajustarem à disciplina da escola. Se tivessem me "apagado" na infância e na adolescência eu seria bem menos curioso, criativo inventivo. Vale a pena? É bom para pais e professores, mas nao é bom para as crianças. Por pensar assim questiono o Caixeta.
Leitora 4: Pode ser que não se aplique ao senhor... mas aquilo que nos causa sofrimento em nós mesmos deve ser tratado... uma pessoa com TDAH, se achar que está bem assim e seus relacionamentos não estão nada afetados por essa condição....beleza!!! Agora, caso um paciente com tdah sente suas relações influenciadas negativamente ou esse problema chega a influenciar sua vida a ponto de causar sofrimento... Pq não tratar? A pessoa não está condenada a sofrer.....
Mas eu entendo seu lado... por isso prefiro médicos que mediquem pelo conhecimento (devem estar sempre atualizados), e não por pressão de ninguém... nem farmácia e nem escola... o médico é que tem que diagnosticar! Se tiver necessidade trate! Se não houver... não trate! Simples
Resposta minha: Se uma pessoa é funcional, não prejudica a si e aos que ama, não está em situação de sofrimento pessoal, por definição, e por mais “desvios biológicos da norma tenha”, não é um doente, não deve ser tratado do ponto de vista médico. A definição de doença, a mais aceita delas, que é a do filósofo I. Scadding, ("doença é uma situação clínica desadaptativa") é uma definição clínica, não biológica. Ou seja, mesmo tendo desvios biológicos da média (alguns mais agitados, outros mais calmos, uns mais altos, outros mais baixos, mais ou menos gordos, mais ou menos albinos, mais ou menos masculinos/femininos, etc) , se esses desvios da norma não são disfuncionais, desadaptativos, o médico não está conceptualmente autorizado a "tratá-la". Só pessoas que tem um interesse em atacar a Medicina, a Psiquiatria, é que imputam aos psiquiatras um comportamento eugênico a priori... [ou seja, “consertar moralmente ou socialmente as pessoas”].
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra, escreve às terças, sextas, domingos, no Diário da Manhã (dm.com.br)