George Bernard Shaw, o brilhante ícone do generoso socialismo “intelectual” fabiano, chamou a atenção para uma verdade: todo o progresso social depende das pessoas não razoáveis. As razoáveis aceitam o mundo como ele é porque creem que é o natural; os não razoáveis lutam para ajustá-lo ao seus desejos. São os inconformados que obrigam os primeiros a repensarem a “naturalidade” do “status quo”.
O problema, como apontou outra mente privilegiada, John Maynard Keynes, é que, em matéria econômica, é difícil convencer o seu opositor de que ele está errado. O máximo que você pode fazer é tentar convencê-lo de que seus argumentos não são nem demonstrativos, nem conclusivos.
Toda essa confusão deriva de duas simples e boas razões logicamente perfeitas, mas de digestão difícil: 1ª) os recursos produtivos da sociedade são finitos, mas seus desejos são infinitos e 2ª) só pode ser consumido o que antes foi produzido. Logo, ela tem de criar instituições capazes de coordenar o processo produtivo (que é técnico) com o processo distributivo (que é determinado por quem tem o poder político).
Sem essa harmonização, o resultado é o caos, como provam as centenas de pequenos experimentos de cooperação de inspiração comunista tentados ao redor do mundo no século 19.
O melhor mecanismo que o homem encontrou, por uma seleção histórica quase natural, para harmonizar o que milhares de consumidores livres desejam com o que milhares de produtores livres devem produzir foi o “mercado” cuja eficiência depende da qualidade de uma instituição inventada por ele, a propriedade privada dos fatores de produção.
A busca da eficiência produtiva foi separando os homens de acordo com os que as compravam (o capitalista), com grandes vantagens produtivas e graves inconvenientes sociais. Com todos os seus problemas e injustiças esse modelo é o único, até agora, que permitiu uma razoável acomodação entre três valores necessários à “sociedade civilizada”, mas que não são inteiramente compatíveis: a liberdade individual, a relativa igualdade, complementadas pela eficiência produtiva para que se possa gozar delas.
Esse fato mostra a importância da tolerância e do respeito aos não razoáveis; é do seu inconformismo que vem o incentivo para aumentar a cooperação (que melhora a eficiência produtiva) e a acomodação (que melhora o bem-estar) da sociedade.
Qual é o papel do economista nesse processo? Socorro-me de mais um grande pensador, Milton Friedman: “é criar alternativas às políticas existentes, mantê-las vivas e disponíveis, até que o que parece politicamente impossível torne-se politicamente inevitável”. Chegamos a esse momento?
E quando o mercado perdeu o rumo? Os últimos anos mostram isso, não é a melhor alocação ou produtividade que se busca, mas o maior lucro, sacrificando inclusive a ética nos negócios. Adam Smith defendia a ética. No capitalismo financeiro não é produzir e lucrar a meta, é lucrar e sem produção, papel gerando dinheiro.
(Delfim Netto, economista, professor universitário e político brasileiro)