Gerir as atividades dos agentes econômicos e sociais é tarefa dos gestores, administradores das pessoas jurídicas. O gestor não precisa necessariamente ser graduado em Administração para gerir estes agentes, pois “administrar” é executar toda uma série de tarefas necessárias para a pessoa jurídica operar, tais como comprar a prazo, contratar funcionários, emitir cheques, pagar tributos, vender e etc. Tudo isto faz parte da administração.
O objetivo deste artigo é questionar, a pedidos, o projeto de lei do Senado nº 439/2015, de autoria do Senador Donizeti Nogueira (PT-TO), em tramitação no Congresso Nacional, que estabelece que algumas atividades econômicas e trabalhos técnicos somente poderão ser desenvolvidos por bacharéis em Administração. Seguem algumas das inúmeras atividades listadas no projeto: administração de consórcio, comércio exterior, cooperativas, condomínios, serviços, factoring, hotéis, logística, locação de mão de obra de qualquer atividade; perícias judiciais e extrajudiciais, elaboração e gestão de planos de cargos, carreiras e salários; elaboração e gestão de folhas de pagamento, registros e lançamentos de efetividade de pessoal das empresas e organizações; auditoria administrativa.
Um exame mais aprofundado do conteúdo do projeto evidencia que ele tem por objetivo satisfazer a vontade de uma categoria profissional apenas, sem levar em consideração os aspectos técnicos e legais desta restrição e se há realmente necessidade, para a sociedade, de se tornar estas atividades realmente privativas daquela profissão. Ao elencar uma série de atividades já legalmente desenvolvidas por outras categorias de profissionais ou pessoas, este projeto de lei fere as normas constitucionais brasileiras que estabelecem que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Imagine o atraso que seria para o desenvolvimento econômico brasileiro restringir as atividades de gestão de consórcios, condomínios, serviços e factorings, entre outras relacionadas naquele projeto, aos bacharéis em Administração? Ou, ainda, a elaboração da folha de pagamentos, função que é obrigatória para todas as pessoas jurídicas?
Esta restrição é totalmente injustificável. Além disso, inviabiliza a livre atividade econômica defendida nas convenções e tratados internacionais. Mas este não é um assunto novo. Em 1965, quando da criação da profissão de Administrador, através da Lei 4.769/65, houve uma tentativa de tornar privativas desta categoria profissional algumas daquelas atividades.
Felizmente, o presidente da República de então, H. Castello Branco, vetou a expressão “em caráter privativo”, o que viabilizou a criação dos cursos de tecnólogo em gestão, que nada mais são do que uma divisão do curso de Administração por área específica de atuação (comércio exterior; gestão comercial, de qualidade, de cooperativas, de recursos humanos, financeira, logística, de marketing, etc.).
Cumpre questionar como ficariam os profissionais que já executam as atividades relacionadas no projeto de lei em tramitação; e como ficariam os cursos de tecnólogos, se eles deixariam de existir...
De toda forma, ao que tudo indica, este é um projeto de lei com a intenção apenas de satisfazer à categoria dos administradores, e que não possui, para a manutenção da harmonia profissional, chances ou condições de ser aprovado nas comissões técnicas do Senado e da Câmara.
(Salézio Dagostim, contador, pesquisador contábil, professor da Escola Brasileira de Contabilidade (Ebracon), autor de livros de Contabilidade, presidente da Associação de Proteção aos Profissionais Contábeis do Rio Grande do Sul)