A falta de saneamento básico, infraestrutura urbana, educação e conscientização da população são apontadas entre as causas da proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, chikungunya e zika. Com a chegada do verão e das chuvas, especialistas temem um novo surto dessas patologias, uma vez que o clima quente e úmido favorece a proliferação do inseto.
Zika vírus é um vírus RNA de fita única que foi descrito pela primeira vez em 1947 em Uganda. É um arbovírus da família flaviridae, que por possuir um elevado número de estruturas semelhantes a outros arbovírus (como vírus da dengue e da febre amarela).
A transmissão do vírus pode se dar de diversas formas, sendo a principal via por picada do vetor comum a outras arbovirozes: mosquitos do gênero redes (sendo o Aedes aegypti o mais prevalente em regiões tropicais). Em uma situação com elevado déficit de controle sanitário de outras arbovirozes, principalmente no que se refere ao combate do vetor, o zika viírus encontrou no território brasileiro ambiente propício para disseminação, levando a uma epidemia de proporção catastrófica, especialmente em grupos específicos da população, e em regiões mais pobres, como o Nordeste. Outras formas de transmissão menos prevalentes, mas não necessariamente menos preocupantes, seriam a vertical, que ocorre quando a gestante transmite para o feto, geralmente via transplacentária, bem como a sexual, transfusão de hemoderivados, transplantes e acidentes com material biológico. A identificação de partículas do vírus zika com potencial de infecção em amostras de saliva e urina, alerta para a possibilidade de outras vias de transmissão da doença, além das já conhecidas.
Em relação ao quadro clínico, é importante que a população tenha conhecimento de que a imensa maioria das infecções, aproximadamente 80%, são assintomáticas, sem manifestação aparente. Nos outros 20%, em que os sintomas estão presentes, a manifestação pode ser diversa, como febre baixa, dor muscular, fadiga, cefaleia, dor atrás dos olhos e prurido, devendo-se destacar a conjuntivite bilateral não purulenta e rash crânio-caudal (presença de manchas avermelhadas), especialmente facial; acometendo da mesma forma e intensidade, adultos, crianças e gestantes.
O que tornou esse vírus foco de estudo nos principais centros de pesquisas mundiais é seu tropismo pelo sistema nervoso central, aliado ao seu elevado potencial de disseminação. Trata-se de uma condição rara, porém com potencial para graves complicações, como a Síndrome de Guillain Barre, uma paralisia flácida arreflexa ascendente. Tendo sido descrita em uma taxa de incidência de 2.5/10.000 infecções pelo zika vírus, decorrente de uma toxicidade direta, e que pode ser representada através de uma eletroneuromiografia.
A outra condição é a temível microcefalia congênita, que por sua vez, é decorrente da invasão de neurônios primitivos pelo zika vírus. Através de etapas que evolvem necrose, bloqueio de maturação e migração celular, é definida por um quadro com redução da massa encefálica. Para os recém-nascidos a termo, ou seja, aqueles que nascem com 37 semanas ou mais de gestação, o diagnóstico clínico pode ser realizado por intermédio das curvas-padrão da Organização Mundial da Saúde, onde basicamente tem-se a microcefalia quando o comprimento do perímetro cefálico for menor do que 31,5 centímetros para mulheres e menor do que 31,9 centímetros para homens. Vale dizer que essa medida deve ser feita após as primeiras 24 horas do nascimento. Apesar de não saber-se ao certo qual o risco da transmissão vertical que envolve essa condição, é pacífico o entendimento de que será tão mais grave quando mais precocemente ocorrer. O período de grande risco será para a infecção gestacional do primeiro trimestre. Cabe ressaltar que essa condição é acompanhada de alterações funcionais do Sistema Nervoso Central como o retardo mental, a epilepsia, as alterações de visão e audição, além de uma condição muito específica denominada artrogripose múltipla congênita, caracterizada como “congelamento das articulações” e evoluindo, ainda no ambiente intrauterino, para fibrose e atrofia músculo-articular. Em relação ao rastreio pré-natal da infecção fetal, sabe-se que o melhor exame é o ultrassom obstétrico, oferecendo resultados confiáveis quando realizado a partir da vigésima semana. A alteração mais específica, e que deve chamar a atenção médica para o possível diagnóstico, é a presença de calcificações subcorticais.
Quanto ao diagnóstico da infecção pelo zika vírus, o Ministério da Saúde recomenda como método de escolha confirmatório o RT-PCR, que, no entanto, não é disponibilizado para toda a população, sendo reservado para gestantes ou para pacientes já com alterações neurológicas presentes, mediante suspeita clínico-epidemiologica de infecção pelo zika. O restante da população atendida pelo Sistema Único de Saúde deverá ser diagnosticada por métodos clínico-epidemiológicos. Cabe ressaltar que basta a simples presença de suspeita da infecção para obrigatoriedade de notificação junto ao Ministério da Saúde. Além disso, laboratórios de ponta vêm desenvolvendo metodologias a fim de se obter testes rápidos para o zika vírus, podendo utilizar a saliva como material biológico de detecção. A partir de um rastreio positivo, se faz necessário uma investigação mais direcionada com exames laboratoriais, sorológicos e de imagem.
Até o momento, não há tratamento específico ou vacina para o zika vírus, sendo a melhor conduta a prevenção do contato com o mosquito transmissor (vetor). Cabe aqui as mesmas recomendações dirigidas à dengue: uso de repelentes, abordagem ativa diante possíveis focos criadouros, telas mosquiteiro, uso de roupas longas, iniciativas governamentais de saneamento básico, conscientização populacional e combate ao mosquito. Além, é claro, de ser fundamental uma busca precoce por uma avaliação médica mediante os sintomas sugestivos.
Dr. Daniel Massula é graduado pela Faculdade de Medicina de Santa Catarina (UFSC).
(Daniel Massula. - Série de recomendações e orientações da Febrasgo. Secretaria de Vigilância e Saúde do Ministério da Saúde)