Antes de mais nada, não sou petista, nem tucano, nem peemedebista, mas fico, cá de fora só observando, para dar minha opinião
Neste tumultuado momento em que o Brasil vive, a gente acaba é acreditando que o Legislativo, com raríssimas exceções, transformou-se num covil de larápios, que legislam em causa própria. E, em sóbria interpretação, vamos colocar no terreno da lógica, tomando como parâmetro, o caso de Renan Calheiros:
Um senador da República pega uma amante: ela fica grávida; o senador da República assume a “gestante”; só que o distinto senador é casado e quer sigilo sobre sua “escapada”; mas o sigilo tem preço, e a pensão fica caríssima, pois, afinal, o senador tem um nome e uma reputação a zelar; o senador tem amigos para as horas difíceis, e um desses amigos é lobista de uma empreiteira, e as empreiteiras nunca foram casas de caridade, pois incluem o custo das mesadas nas obras do governo; o Congresso faz emendas no orçamento, mas falta dinheiro para pagar essas emendas; o governo federal aumenta impostos cria outros novos; o contribuinte paga os impostos; em outras palavras, quem engravidou Mônica Veloso foi Renan, mas quem pagou a pensão fomos nós.
Com base nesse fato, chegamos à conclusão de que vivemos reféns de uma corja que conta com o beneplácito da nossa mais alta Corte, que passou a decidir casuisticamente para proteger exatamente esses facínoras: na semana passada, o ministro Marco Aurélio, do STF, a exemplo do que fizera seu colega Teori Zavascki com Eduardo Cunha, expediu uma liminar para afastar Renan Calheiros da presidência do Senado, por ter-se transformado em réu pelo próprio Supremo e sido considerado fora da sucessão presidencial.
Observa-se que, no julgamento de referendo da liminar do ministro Marco Aurélio, houve uma série de casuísmos: pela ordem lógica regimental, deveriam votar, na sequência, os ministros Gilmar Mendes (ausente), Ricardo Lewandowski , Luiz Fux, Rosa Weber, Teori Zavascki, Roberto Barroso (suspeito), Edson Fachin, Celso de Mello e, por último, a presidente, ministra Carmen Lúcia.
Como o próximo a votar, pela ordem regimental, era Ricardo Lewandowski (já que Gilmar Mendes estava passeando na Europa), era evidente que não possuía argumentos e dialética para convencer ninguém. E aí se armou o golpe, que, segundo a imprensa já noticiara (“O Povo”, o “Blog do Esmael”, o “Jornal “247” e outros), um “acordão” com o Supremo visava a manter Renan no cargo, “para não prejudicar a democracia”, já que Renan era imprescindível para conduzir as reformas meia-sola de Temer, como se pau de porteira não pudesse ser substituído; e, sem qualquer explicação, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, que é o mais preparado dali e bom de convencimento, pediu para adiantar seu voto, com o explícito objetivo de conferir coragem aos demais. E deu no que deu: Renan provou que estava acima não só do Legislativo, mas também do Judiciário... e da lei, pois descumprira.na véspera a liminar do STF, em flagrante desobediência, coisa que não foi sequer aventada no julgamento.
Na verdade, constata-se, pelos últimos desdobramentos, que tudo aquilo de ruim que se atribuiu aos governos Lula e Dilma já era praticado desde Fernando Henrique Cardoso, e a prova disso é que quase todos os parlamentares remanescentes do governo tucano estão complicados na rede da Lava Jato, após sucessivas reeleições.
Aí vem a questão de fundo: sabe-se que Dilma não era uma política tradicional: não era de receber políticos, e isto dificultava acordos e conciliábulos; de seu turno, o seu vice, Temer, astuta raposa que viveu sempre à custa de espúrios acordos para se manter e aos seus seguidores na situação confortável das mordomias e enriquecimentos sem causa, evidentemente estava por trás do “impeachment”, quando ganharia um mandato de mão beijada. Isto nos reporta ao processo que está se arrastando no TSE, que não o julga para cassar a chapa Dilma-Temer simplesmente porque não está achando uma forma de excluí-lo para cassar apenas a ex-presidente, ainda mais que o presidente daquela Corte Eleitoral é o ministro Gilmar Mendes, nomeado pelo PSDB, aliado de Temer e feroz inimigo declarado do PT.
Agora, já com a primeira “delação do fim do mundo” dos executivos da Odebretch, levantou-se o véu que cobria a corja que milita no Planalto: vários ministros já tinham caído na degola por estarem profundamente comprometidos com a corrupção: 1. Romero Jucá - em 23/05, por ter sido gravado em conversa com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, sugerindo um pacto para barrar a Lava Jato, mas hoje é líder do governo no Senado; 2. Fabiano Silveira - em 30/05, ministro da Transparência, Fiscalização e Controle, porque em uma conversa também gravada pelo ex-presidente da Transpetro, Silveira faz críticas à operação Lava Jato e orientou Renan Calheiros, presidente do Senado e seu padrinho político, e Machado sobre como eles deveriam se comportar em relação à Procuradoria-Geral da República; 3. Henrique Eduardo Alves - em 16/06, ministro do Turismo, porque em delação premiada, Machado afirmou que Henrique Alves teria recebido, R$ 1,55 milhão em propina maquiada de doações eleitorais durante 2008 e 2014; 4. Fábio Medina Osório - em 9/08, advogado-geral da União: demitido depois de discussão com o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, por ter pedido acesso aos inquéritos de políticos envolvidos na Lava Jato sem comunicar Temer; 5. Marcelo Calero - em 18/11, ministro da Cultura, pediu demissão após supostamente ter sido pressionado pelo ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, para que o Iphan, órgão subordinado à Cultura, aprovasse o projeto imobiliário “La Vue Ladeira da Barra”, localizado próximo a uma área tombada em Salvador; 6. Geddel Vieira Lima - em 25/11, ministro da Secretaria de Governo, foi acusado pelo ex-ministro da Cultura de tráfico de influência. Sua demissão aconteceu no dia seguinte a depoimento em que Caleiro afirma que o presidente Michel Temer o teria “enquadrado”. Todos eles foram defenestrados porque perderam capacidade política e moral para permanecer nos respectivos cargos.
Agora, com a primeira delação, que só abrange um dos mais de setenta executivos da empreiteira, os alicerces da República balançaram, e a mais recente pesquisa Data Folha mostra um Temer caindo vertiginosamente depois dessa delação, passando de 50% de reprovação, por enquanto, e sendo alvo de três pedidos de “impeachment”, que, previsivelmente, não terão o mesmo impulso do que defenestrou a ex-presidente, pois, hábil político, deve estar aconchavando sua recusa, assim como articulando no TSE para fatiar o processo de cassação da chapa para atingir apenas a ex-presidente.
O pessimismo na economia e a má avaliação de Temer ocorrem em meio a uma sucessão de crises, pois ele assumiu com a promessa de compor um ministério de “notáveis”, em que a recuperação da economia seria prioritária à gestão. Mas desde então, seis ministros caíram – quatro deles por envolvimento em escândalos decorrentes da Lava Jato. E a delação da empreiteira já citou outros nomes de “notáveis” do alto clero da República: Rodrigo Maia, Renan Calheiros, Eliseu Padilha, Kátia Abreu, José Agripino Maia, Moreira Franco, José Serra, Jaques Wagner, Marco Maia, Ciro Nogueira, Antônio Palloci, Geraldo Alckmin, Geddel Vieira Lima, o próprio Temer e outros A recessão econômica se agravou e está próxima de ser a pior da história. São dez trimestres consecutivos de encolhimento da atividade. O desemprego continua, e a demora do governo em levar adiante reformas estruturais frustrou o mercado e, nesse cenário, o otimismo inicial com a queda de Dilma se reverteu, e a população considera Temer um presidente falso (65%), muito inteligente (63%) e defensor dos mais ricos (75%). Metade dos brasileiros veem Temer como autoritário e 58%, desonesto. De zero a dez, a nota média dada ao desempenho do governo Michel Temer é 3,6. E conclui que, nos cem primeiros dias, 75% dos entrevistados afirmaram que o Brasil estava melhor com Dilma. Não entro no mérito, pois apenas divulgo a pesquisa.
Com isto, é perfeitamente compreensível que o objetivo da queda de Dilma tenha sido forçado, pois a cada hora novo escândalo espouca no terreiro do governo, que deseja manter no cabresto os parlamentares, como base de sustentação do governo.
E o pior é que, com este estado de coisas, não há esperança, pois como temos uma Justiça de casuísmos, resta citar o pensador francês François Pierre Guillaume Guizot (1787-1874): “Quando a política penetra no recinto dos Tribunais, a Justiça se retira por alguma porta”, ou o nosso brasileiríssimo José Márcio Castro Alves, que declarou recentemente: “Países cujas constituições permitem que os políticos tenham foro privilegiado e que os próprios políticos nomeiam os juízes dessa mesma Corte, são pocilgas, hospícios legalizados em forma de nações”. Assino embaixo.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])