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OPINIÃO

Histeria coletiva

Os fatos das duas últimas semanas merecem uma reflexão sobre as consequências da natureza do homem, em cujo DNA ela parecia ter esquecido os genes da convivência pacífica.

A experiência histórica ensinou aos homens que eles só poderiam explorar a riqueza escondida nas suas potencialidades se o Estado, ele mesmo, fosse também sujeito aos controles de uma ordem superior pactuada livremente pela sociedade.

Foi só a partir da segunda metade do século XVIII que se sugeriu que isso poderia ser conseguido com uma organização republicana democrática, onde: 1. Todos fossem iguais perante a lei geral. 2. A administração do poder fosse separada em três braços: o Legislativo, que define a lei, o Executivo, que a executa, e o Judiciário, que controla a sua execução.

Três Poderes independentes e harmônicos, mas sujeitos a mecanismos universais de controles recíprocos.

A garantia da liberdade é a rejeição ao abuso de poder de qualquer um deles, mesmo os aparentemente justificados por circunstâncias especiais. Há, hoje, um desconforto lógico envolvido na atual disputa entre o Legislativo e o Judiciário nessa questão.

A conclusão é de que essa disputa nasceu do visível oportunismo de ambas as partes: aproveitar a nossa perplexidade para defender ou ampliar a razoabilidade dos seus comportamentos.

Isso nada tem a ver com a Operação Lava Jato, que é um ponto de inflexão na história das relações incestuosas entre o Estado e o setor privado, e deve continuar a receber todo o apoio.

Talvez produza inconvenientes no curto prazo para o crescimento econômico, mas o acelerará, permanentemente, no futuro.

Nesse quadro, que parecia confirmar a base filogenética da violência letal humana, surge, de repente, uma tragédia. Um desastre aéreo rouba a vida de 71 pessoas. Em apenas um instante expõe o amor fraternal, generoso e a propensão à simpatia, escondidos na mesma “natureza” humana.

Explodiu um movimento de solidariedade de dimensão macroscópica: universal, espontâneo, instantâneo, sem qualquer coordenação externa e fora do controle de qualquer poder, mostrou o outro lado “natural” das imensas riquezas do ser humano.

Dois movimentos tão antagônicos sugerem que o caminho a seguir é o do entendimento, da tolerância, da aceitação do “outro”, sem preconceito de qualquer ordem e a firme defesa da república democrática, onde todos possam usar livremente os seus talentos, as diferenças de oportunidades sejam continuadamente mitigadas e o trabalho que cada um tem de executar para a sua sobrevivência material lhe deixe mais tempo para gozá-las.

Ora, esses são os objetivos da Constituição de 1988. É por isso que vale a pena defendê-la!

Por outro lado, é preciso muita insensatez para não se sensibilizar com a dramática situação econômica em que o Brasil se encontra, revelada nos últimos números das contas nacionais e da Pnad contínua, consequência da política econômica voluntarista iniciada em 2012.

Tudo se agravou com a decisão da presidenta de tentar a sua reeleição, mesmo que “tivesse de fazer o diabo”. E fez! Em menos de um ano, ignorando a “tempestade perfeita” que estava cultivando, levou o País a uma recessão e a uma desorganização fiscal impensáveis.

Estamos terminando 2016 com um déficit primário perto de 2,6% do PIB (ante 1,9% em 2015 e média de superávit primário de 2,6% do PIB no período 2011-2013) e uma relação dívida bruta/PIB próxima a 72% (ante 67% em 2015 e média de 52% no período 2011-2013). Mas essa é apenas a ponta visível do iceberg!

Não há o que discutir. O País está dividido e sob a ameaça de falência múltipla de órgãos! É preciso uma urgentíssima retomada de consciência dos Três Poderes.

É preciso que acordem para o fato de que uma grande calamidade está à nossa porta e que não podem continuar, insensatamente, disputando pequenos retalhos de poder. Não haverá acomodação possível se não se acalmar a histeria coletiva que hoje divide a sociedade brasileira.

E não há solução institucional fora de uma eleição normal em 2018. Afinal, que desgraça precisamos ainda sofrer para que a histeria dê lugar à compreensão? Não cedamos à tentação de acender um fósforo para saber se há combustível no tanque!

(Delfim Netto, professor de Economia formado pela USP, foi ministro e deputado federal - Texto originalmente publicado na CartaCapital)

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