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OPINIÃO

O Brasil precisa de um chefe de Estado

A maioria dos intérpretes de Hegel não conseguiu ver o que era fundamental no modelo de Estado por ele proposto. Por trás do palavreado arrevezzado do fiolósofo, com sua profusão de “em si” e “para si”, o que ressalta é a separação da chefia do governo da chefia de estado. O Monarca hereditário nada mais é, em essência, do que chefe de estado. Toda discussão sobre as virtudes do príncipe, sua educação e seu distanciamento do drama partidário é conversa mole.

O chefe de estado pode ser um monarca hereditário, como queria Hegel. Mas pode ser, também, um presidente da república, eleito pelo voto popular. No mundo civilizado dos dias de hoje, herdeiro do iluminismo, os regimes são parlamentaristas. Em alguns, instituiu-se a monarquia hereditária, em homenagem ao passado glorioso e como solução de compromisso entre facções rivais cansadas de se auto exterminarem. Em outras, prevalesceu a figura do presidente eleito pelo povo. Mas, num caso ou no outro, operou-se um corte preciso entre chefia de governo e chefia de estado.

O chefe de estado exerce o chamado poder moderador, que não é órgão constitucional, mas meramente uma prerrogativa. Cabe-lhe ainda indicar, soberanamente, os chefes de algumas insituições. O chefe de estado é o árbitro supremo do conflito institucional. Ele é o condutor político da nação. O primeiro ministro, que é chefe e organizador do gabinete, comanda o “governement”, ou o que chamamos de “administração pública”, ou “Executivo”, propriamente falando.

No esquema de Hegel, os poderes de Estado são três: legislativo, Executivo e o Monarca. A prática constitucional dos povos europeus, porém, permite que este esquema seja corrigido, atualizado. Existem apenas dois “poderes”: legislativo e Executivo. O “Monarca”, ou chefe de Estado, não é exatamente um poder, no sentido de Montesquieu, ou mesmo no de Hegel. É a própria soberania nacional em carne e osso. É o símbolo maior da nacionalidade, tal como o hino, a bandeira e o selo. A maior de todas as sabedorias políticas do mundo ocidental foi ter destinado a pessoas distintas a chefia do governo e a chefia do estado.

Onde entra, neste esquema de Hegel, o “Poder Judiciário”? Em Hegel, o Judiciário é instância da “Sociedade Civil Burguesa”. Deste modo, não sendo parte do Estado, nem sequer estaria previsto em uma possível constituição hegeliana. Estaria organizado e submetido ao que Hegel chamava de “Direito abstrato”, aquilo que chamamos hoje em dia de “legislação ordinaria”. A doutrina consitucional de Hegel não é uma idealização do estado racional, como a Repúblcia de Platão. Foi a teoria do reich bismarckeano, sua justificação perante a história.

Não se pense que a alocação do Judiciário dora do Estado seria um rebaixamento da magistratura. Pelo contrário. É a garantia de sua total autonomia funcional e de sua independência institucional. Fora do Estado, a magistratura não estaria submetida ao chefe do governo nem ao chefe do Estado. Nem tampouco aos legisladores. Estaria sob o império da Lei. Em contrapartida, não poderia interferir nos negócios de Estado. O estado hegeliano pressupõe, necessaraimente, órgãos internos de controle e correição. Em todo caso, o eleitor periodicamente chamaria o processo político à ordem, escolhendo novos representantes.

Teoria dos Poderes

Na conjuntura brasileira, o Judiciário deixou de ser um poder, no sentido de Montesquieu. Aliás, nunca foi. Quem o diz não sou eu. É Liberato Póvoa, desembargador aposentado, ex-magitrado de carreira, hoje advogado e escritor, que o afirma. Para Liberato, o Judiciário é uma instuição de natureza permanente, algo análogo às forças armadas, ao Ministério Público, à advocacia, à defensoria pública.

Reza a constituição que todo poder emana do povo, sendo exercido por seus representantes. Juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores não são eleitos. Não possuem mandato. São vitalícios e inamovíveis. Ingressam na carreira mediante concurso público de provas e títulos ou são indicados pelos chefes do executivo. Em todo caso, não estão investidos de mandato popular.

Visto assim, não há como discordar de Liberato. O “Poder Judiciário” não é um “poder”, ou melhor, não é um órgão da soberania. Ainda que possamos conceber um “poder judiciário” como transcendentalidade, ou idealidade pura, no sentido de Kant, na sua descida ao vulgar mundo empírico a carência de representatividade popular retira dele todo o carater substancial de “poder”.

Não se quer aqui ofender ninguém, mas lançar algumas luzes sobre a crise institucional pela qual passa o país. As reflexões de Libertato agregam valor a este debate. Não me agrada a concepção hegeliana. Acho que o Judiciário deve ser, sim, um poder de Estado. Mas isto só será possível quando for abolida a vitaliciedade, os quintos consitucionais, e insituída eleições para formação dos tribunais superiores, devendo os eleitos exercer temporariamente a magistratura, sem direito à releição, e com instertício para nova postulação.

Mas não é o Judiciário que, neste momento, está tumultuando a vida insitucional do país. Membros do Ministério Público, arvorando-se em condestáveis do regime, vêm jogando lenha na fogueira na defesa de um projeto corporativo de poder que já não pode ser mascarado.

Deputados versus Lava jato

Parece que, agora, todo mundo tem o direito de ditar os rumos do Estado. Juízes federais e procuradores federais se arrogam o direito de censurar a Câmara Federal por ter rejeitado um projeto de lei proposto pelo Ministério Público, como se a Câmara fosse mero órgão homologador daquilo que exigem, arrogantemente, os membros do MP. O chefe do Ministério Público, Rodrigo Janot, emite nota oficial rebaixando a Câmara, como se o chefe de Estado fosse ele e não o presidente da República. E o MP ainda não é, sequer, um “poder”.

A autonomia deferida pela Consituição ao MP não é uma licença para se imiscuir na política e no processo legislativo, mas para exercer livremente suas atribuições instiucionais, definidas em lei. Entre essas atribuições não consta lançar-se em movimentos de opinião pública para, às expensas do erário, passar abaixo-assinado para a proposição de mudança de lei por “iniciativa popular”. Um projeto assinado por dois milhões de marias-vai-com-as-outras que sequer comprendiam o que estavam assinando, pois não se precedeu a um amplo debate das medidas ali propostas.

A atuação dos procuradores nesta campanha foi claro desvio de finalidade. E o fato de ter usado dinheiro público nesta aventura política evidencia improbidade administrativa. Está faltando apenas um eleitor para, via ação popular, promover a responsabilidade administrastiva desses dalanhóis da vida.

Faço aqui um questionamento público ao sr. Janot: Diga-nos, senhor Janot, quanto custou a coleta de assinaturas para o projeto das “10 medidas”? Quem pagou as viagens de Dalagnol em sua missão apostólica, e comos teremos acesso a toda documentação relativas a tais gastos? Lanço tais questionamentos por que também quero engajar-me na luta contra corrupção e pela moralidade administrativa.

Procuradores e juízes não podem fazer política. É indecoroso. É imcompatível da dignidade do cargo que ocupam. Mas, se acham que o mundo está errado e que é preciso transformá-lo, façam então como Demósthenes Torres, Pedro Taques, Randolfe Rodrigues e outros de quem não me lmebro: peçam licença de seus cargos, filiem-se a um partido qualquer e disputem um mandato eletivo.

Promotores, juízes, inocentes úteis de direita e grande imprensa cairam na histéria, todos falando bobagens pelo cotovelo. Ninguém se deu o trabalho de examinar o mérito das propostas. O conflito se resumiu em etar contra Renan ou contra Moro. Maniquísmo purto. Mas daquele de quem se esperava uma voz pacificadora, não se ouviu um gemido.

Só o senhor Temer não abriu o bico. Como chefe de estado, teria ele o dever de defender a representação popular contra o ataque daqueles que não foram investidos de poder pelas urnas. Um verdadeiro chefe de estado não permitiria que qualquer “poder” ou instituição fosse atacado apenas por ter exercido sua prerrogativa constitucional. Um verdadeiro chefe de estado não admitira que ambições corporativistas – que é a coletivisação do egoismo – viesse desmoralizar uma insituição que, a despeito de tudo que pesa contra seus membros, precisa ser respeitada. Divergir das decisões do Congresso é um direito. Insultar moralmente seus membros por inconformismo político-ideológico e exercício ilegal das próprias razões. O aviltamento do Congresso é o primeiro passo para a sua supressão, é a porta de entrada para a tirania. O compromisso com a democracia exige que se respeite os parlamentares, por maior que seja nossa discordância em relação ao que eles decidem.

Não se trata de defender “este congresso que aí está”, que não raro decide errado e até contra a lei. Esta é a mais desqualificada de todas as legislaturas que já tivemos. Na sua grande maioria, nossos deputados são medíocres e venais. Mas foram eleitos por nós. Queiramos ou não, representam-nos. Enquanto estiverem no exercício do mandato, deve-se a eles um mínimo de respeito. Rechaçar os ataques grosseiros e as chantagens não é prestrigiar “esses deputados que aí estão”; é defender a instituição parlamentar, sem a qual, repíto, o regime democrático degenera em tirania. seja fechado.

Ao calar-se diante da terrível crise insitucional pela qual o país vem passando, Michel Temer declina da sua condição de chefe de Estado. Aliás, ele mal consegue chefiar o governo. Já se especula abertamente, na grande imprensa, que um golpe tucano vem sendo articulado para abreviar seu governo. O usurpador será usurpado. Na ausência do chefe de estado, os que mais gritam vão mandando e desmandando. Na ausência de um Chefe de Estado dotado de inquestionáveis virtudes cívicas e morais, e de absoluta legitimidade para arbitrar os conflitos insitucionais, defendendo uma insituição contra a sanha de outras, o protagonismo político espúrio vai ganhando terreno e solapando as bases da democracia representativa.

Na medida em que os não eleitos começam a preponderar sobre os eleitos, a democracia vai batendo em retirada e os direitos do povo vão sendo pisados pelos vendilhões da pátria. Os que invadem o plenário da Câmara para, interrompendo a sessão, exigir intervenção militar, deveriam, isto sim, cobrar do presidente, que eles colocaram lá, que assumisse seus deveres de chefe de estado para colocar em seu devido lugar os janots, os moros, os dalanhóis, os gilmar mendes e outros arruaceiros vulgares.

(Helvécio Cardoso, jornalista)

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