“Ninguém se iluda. Se alguém de vós acredita ser sábio aos olhos deste mundo, faça-se louco para ser sábio.”
(BOFF, 1999, in Coríntios
1a e 2a epístolas, p. 28)
Regido pelo Galo do Horóscopo Chinês, o incansável batalhador e temido ano de 2017, vem ciscando a areia da ampulheta de um mundo moderno senil de ponta-cabeça. As velhas virgens que se afagam no Jogo do Bicho – que rege o Estado arrecadador omisso aos direitos, também, o Estado paralelo tocado a organograma da contravenção partidária – sabem que no mundo da aposta criada no Rio de Janeiro, a título de diversão, o número 17 dá representação ao macaco do qual a conjuntura social anda farta, sair de casa cansa mais que trabalhar e o paraíso de longe, às vezes é, de perto, o inferno. A história conta que o País atual nunca esteve tão próximo dos Anos Dourados – década de 1950, quando, “se fosse preciso, para evitar assaltos a lojas alguma coisa precisava ser feita [...] a cidade, como diziam os jornais, estava ‘infestada de facínoras’ executados pelas medidas drásticas ou o ‘extermínio puro e simples dos malfeitores’ [...] quando a morte espetacular deles, em operações de guerra executadas pela polícia, envolvendo milhares de homens armados, inaugurou os tempos modernos’” (VENTURA, 1994, p. 34).
Manchete da gestão que finda (antes que finde a Capital) a corrida entre a carruagem da infestação do caramujo e a dormência da administração. Claro que os primeiros ganharam de conhecidos coronéis donos da velha política e de lotes vagos plenos em sujeira e mato. O fim do fumacê avisa da dengue, de shoppings erguidos nas cracolândias, higienização que retira dos mais pobres a voz e também a vez, denúncia de uma cidade destinada ao abandono municipal e estadual, segundo BOFF: “O círculo fica sempre vicioso, sem chance de ser virtuoso. Isso implicaria uma revolução nas relações sociais, baseadas não mais no desejo mimético, mas no desejo solidário e comunitário” (2000, p. 58). Entregue e loteada à especulação imobiliária a urbe interiorana cobra taxas de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) a preço de Nova Iorque. A Câmara de Vereadores, em sua grande maioria, representa a velha maneira de fazer política ao mostrar serviço pintando meios-fios, endossando puxadinhos, levando em caminhões – alugados a preço de ouro – o lixo da gestão que finda além da falta de educação de uma coletividade que joga na porta dos vizinhos guarda-roupas, colchões e pecados onde “o homem objetivo, que não basflema nem injuria mais como o pessimista, o erudito ideal que encara o instinto científico chegado à sua plena floração, depois de milhares de semidesastres e desastres completos, é certamente um instrumento precioso entre todos, mas é preciso que esteja nas mãos de alguém mais poderoso que ele” (NIETZSCHE, s/d, p. 124).
Conta a sabedoria enfraquecida pelo vício da ignorância que respira oxigênio falsificado que a (in) consciência do sujeito é guerreira e sabe da revolução que ainda pode fazer com o que restou dele. O roubo de direitos por parte do organograma político é manobra de um Estado sustentado por representantes de um povo leigo que dá voz – no voto – a santos com pés de barro. O mercado alimentado a dinheiro sujo lavado determina a divisão social do cifrão sem fonte declarada e estabelece quem e quantos são seus santos, também os demônios em meio ao exército industrial de reserva – sujeitos sem face ou bandidos: “Pois as visões que os perturbavam advertiam-nos antecipadamente, para que não perecessem ignorando a causa dos males que sofriam” (SABEDORIA, 18,19). Profissionais formados na tela do iPhone alimentam o desconexo mundo da administração patrimonialista tradicional onde a saia vale tanto quanto o poder do perfume. Seguem uma vida amarelada na alienação do voto, do favor, do conhecimento de quantos anéis carregam os dedos das primeiras-damas. Sentados no trono estanque do salário de fome batem carimbo, esperam os 75 anos que valem uma aposentadoria. A política tradicional determina o profissional da Assistência que justifica o nome da categoria ao perpetuar a ideia do Estado neoliberal omisso endossado no militante de confessionário que desconhece as próprias razões envoltas no celofane da desrazão, segundo Raul: “Nem todo bem que conquistei, nem todo mal que eu causei, me dão direito de poder lhe ensinar.”
Eduardo Galeano traz que “Che Guevara, referindo-se a uma Cuba representada no maior cabaré do mundo, onde só um entre dez operários agrícolas bebia leite, dizia que o subdesenvolvimento é um anão de cabeça enorme e barriga inchada: suas pernas débeis e seus braços curtos não harmonizam com o resto do corpo” (1978, p. 90). Goiânia convive em meio à violência banalizada e indústria da multa sacada a buracos em primeira e segunda marcha. O imediatismo redundante toca a cidade mais desigual da América Latina, a negação de sua própria história alardeia o fenômeno migratório, divide bairros da cidade transformados em guetos movidos a desemprego e subemprego que empregam e asseguraram as necessidades imediatas através da indústria do roubo de carros e cargas, explosão de caixas eletrônicos, mercadorias extraviadas, contrabandeadas e falsificadas. Boi de piranha a droga, mola propulsora do tráfico é álibi de um Estado que esconde na cartola das políticas públicas a realidade dos fetos, fatos e fotos. A ferramenta da calmaria mascara o poder de fato, segundo Ventura, “homens de ouro ou turma da pesada, também conhecidos como Esquadrão da Morte, que subiriam os morros, invadiriam barracos e desentocariam assaltantes, caçando-os como ratos, limpariam a cidade” (1994, p. 35).
Incrível milagre pós-moderno na bola de cristal encurralada nas redes sociais, o ano de 2017 vem aí enquanto expressão social e histórica fatídica, resultado da orientação econômico-política na contramão do poder de inclusão aniquilado pelo organograma mais que liberal do golpe institucional instalado. Em meio ao lamaçal da corrupção generalizada, a proposta da gestão denuncia um historicismo anti-histórico que “trata-se, no fundo, de considerar ‘histórico’ somente o que ocorre sob o marco do ‘aqui e agora’, como se a história fosse uma cadeia singular de particularidades, sem nenhuma ligação dinâmica com os fatores que associam povos distintos através de padrões de civilização comuns” (FERNANDES, 1974, p. 17). Se o “hoje é apenas um furo no futuro por onde o passado começa a jorrar” (Raul), é essencial o entendimento de que em 2017 “o passado andará chamando o princípio para poderem se encontrar” (idem).
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor; filósofo; mestre em Serviço Social pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás; aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)