Em uma série de artigos intitulados “a biocriminalidade”, “a psico-criminalidade”, a “sócio-criminalidade”, publicados na Encyclopedie Médico-Chirurgicale/Psychiatrie, o famoso criminólogo canadense Denis Szabo diz que, na análise da gênese do crime, nenhum desses fatores podem ficar de fora. Entre nós, o psiquiatra forense e promotor de justiça, José Taborda, numa pesquisa ampla, nacional, mostrou que aproximadamente 83% da população carcerária padece de problemas psiquiátricos (na população geral esta proporção é de aprox. 28%). Ou seja, pobre vai para a penitenciária, rico vai para a “casa de recuperação”...
Do ponto de vista médico-biológico, há vários fatores que interferem na origem do crime, por exemplo, a presença de doenças psiquiátricas tais como a ansiedade, depressão, hiperatividade, doença bipolar, disfunções cerebrais frontais ou outras que produzem a “psicopatia” (frieza) ou os déficits de atenção, agressividade, alterações da sexualidade, impulsividade, compulsão, toxicomania. Tais problemas, hoje, têm-se tornado mais comuns por causa de alguns fatores, p.ex., mães muito ansiosas/estressadas/drogadas/uso de hormônios durante a gestação. Tais alterações cerebrais podem produzir sintomas nos filhos, tais como hiperatividade, impulsividade, alterações da sexualidade, agressividade.
Os problemas psiquiátricos sempre existiram na criança e no adolescente, apesar de em menor gravidade e quantidade. No entanto, hoje em dia tais problemas são maximizados por problemas psicológicos e sociais: a disponibilidade das drogas, a falta de ocupação da juventude (que, segundo o Governo, não pode trabalhar), a falta de compromisso escolar (governo não tem capacidade de produzir boas escolas), a falência da figura do homem na sociedade atual, a pouca disponibilidade das mães, que precisam trabalhar ou que simplesmente “deixaram de gostar de casa e de cuidar de filhos”.
Se um homem, hoje, abre a porta de um carro para uma mulher, se a pega no colo para que não se molhe em uma poça, se quer pagar uma janta, etc, em muitos casos, é repreendido pela “cultura feminista”: “nós, mulheres, não somos fracas ou dependentes de vocês”. O mesmo se aplica à educação ou provimento dos filhos: a função paterna, a função máscula, vem sendo carcomida pela moderna sociedade. Em síntese, o homem, cada vez mais, tem-se tornado um “produto descartável” no seio da família. Ora, o que mais caracteriza a psicologia de um “homem sadio”, é a vontade de cuidar, de prover, de defender, de proteger, de orientar, de disciplinar. Se retiram isso dele, retiram tudo, e aí aparece o pior do lado masculino: o interesse só pelas mulheradas, pela futebol, pela pescaria, pelos carros, pelo “poder dominador” (e não pelo “poder cuidador”) , pela “curtição”, pela “ganhação de dinheiro”. Este tipo de homem “demite-se” da família, demite-se dos filhos, ou são demitidos pelas mulheres. Os filhos, sem pais, tornam-se “bibelôs”, “filhinhos-de-mamãe”, ou pior, “filhinhos-de-vovó”. Serão “narcisados” (“você é o lindinho da mamãe”, “da vovó”) e não serão disciplinados pelo amor do pai. A única disciplina que funciona é a do amor, e o “amor disciplinado” gera o trabalho. Sem trabalho, o homem está perdido. Mães e avós, de modo geral (tudo aqui é de “modo geral” pois há muitas exceções) tendem a poupar os filhos, “coitadinhos”... Então, esses filhos, no auge da efervescência hormonal da adolescência, no auge da hiperatividade/agressividade/impulsividade/hedonismo (busca de prazer), são vítimas fáceis das drogas e da criminalidade. Na rua, receberão a “disciplina dura da sociedade e da polícia”, pois, fora de casa, esses não alisam ninguém. Tais jovens irão revoltar-se contra os “adultos”, os “homens autoritários”, os homens da lei, os homens da ordem. Esta revolta os une mais ainda em torno da gangue, são os “meninos perdidos da Terra do Nunca” (Peter Pan). Muitos, com hiperatividade, com disfunções frontais, com impulsividade, são também frios e “psicopatas”. Gostam da “adrenalina”, do crime, da violência, não têm medo de morrer, pois são muito pouco “mentalizados”. Entre eles, os mais “mentalizados” se transformam nos “chefes-de-gangue”, aqueles que, mesmo sendo frios e psicopatas (alguns por causa de disfunções cerebrais órbito-meso-ântero-frontais), não são desorganizados, não são agitados, impulsivos, descontrolados.
Para simplificar aqui, a diferença é aquela entre um potro chucro e um cavalo domado. O que “doma” muitos homens é o “amor disciplinado do pai” que os “força a trabalhar”. Depois que começam a “trabalhar forçados”, tomam gosto pela responsabilidade, tornam-se mais mentalizados, organizados, controlados. Para quem não passou por este processo, continuam sendo animais “não-domados”, movidos à “adrenalina e prazer”. Sem a disciplina do pai, nem o amor pela mãe ou pela avó chegam a desenvolver ; acham que as mulheres existem mesmo é para amá-los e servi-los. Num casal normal, com pai e mãe, muitas vezes é o pai que tem de chamar os filhos “na regulagem”, é o pai que tem de mostrar o sofrimento e o sacrifício da mãe: olha aqui, vai você mesmo pegar água lá na cozinha, você não vê que sua mãe está cansada, trabalhou o dia todo, e você é novo, descansado e não fez nada o dia todo?” Sem esse pai, muitos filhos se julgam “donos da mãe”, são verdadeiros tiranos domésticos, acham que a mãe é obrigada a fazer tudo que eles querem, provê-los. Além das disfunções cerebrais que muitos têm (que geram frieza e agressividade/hiperatividade), eles não têm o necessário controle do pai, tornam-se “animais hedônicos”.
São esses que vão para as cadeias (os que têm dinheiro, muitas vezes, vão para os hospitais psiquiátricos e casas de recuperação). Nas cadeias, “não estão nem aí para matar ou morrer”, querem mais é “aventura”. Os “psicopatas” (frios) menos desorganizados tornam-se os “pais” deles; sim, porque eles também gostam de uma autoridade do tipo “bruta” ou “militar”. Tornam-se ótimos “soldados do tráfico”, “soldados das gangues”. Totalmente destemidos, e muito submissos à “autoridade brutal”, pois, apesar de tudo, os animais também “gostam” da autoridade agressiva, vejam um clã de lobos, de leões, etc. Muitos dos “chefes-da-gangue” também assumem uma estratégica “função paternal”, “ajudando e protegendo” alguns mais fracos que os outros. Ou seja, mesmo dentro da “Lei do Cão”, há hierarquia, medo, submissão. É uma disciplina do “ferrão”, uma disciplina que vem de fora, ao contrário daquela verdadeira disciplina, aquela do “amor firme”, que vem de dentro.
Sem resolver esses complexos problemas, nada resolverá o problema carcerário. Mas, mesmo sem resolver o problema, o sistema jurídico-policial-prisional irá continuar consumindo bilhões da sociedade, pois muitos precisam alimentar-se desse sistema falido e de todo poder, mantos, palácios, autoridade, carros, benesses, que ele engendra.
(Marcelo Caixeta, médico, especialista em psiquiatria criminal (forense), pela Assoc. Bras. Psiquiatria e coordenador de unidade hospitalar psiquiátrico-forense juvenil. ([email protected]))