Opinião

O gênero neutro

Diário da Manhã

Publicado em 10 de janeiro de 2017 às 00:55 | Atualizado há 8 anos

Permitam-me, amigos leitores, tratar na minha crônica de hoje, do gênero neutro, que exige critério. Este como a própria palavra não especifica nem um nem outro gênero gramatical (NE=não + uer=um e outro), pela mesma razão por que as coisas não tem nenhum dos dois sexos. Segundo Napoleão Mendes de Almeida em sua gramática metódica da língua portuguesa, as palavras flumem  (rio), bellum (guerra), caput (cabeça), maré (mar), cornu (chifre), são em latim neutras, com terminações especiais, diferentes das terminações do masculino e do feminino, porque os objetos designados por esse nomes não possuem sexo. Como se vê, trata-se de palavras que tem sobejos motivos para ficarem em cima do muro, ou melhor, costeando o alambrado, como diria o Leonel  Brizola. Os substantivos neutros ostentam no reino da gramática – uma posição bastante radical; bem diferente das pessoas que ficam em cima do muro durante os embates das eleições. O eleitor que não é nem um nem outro, na hora h tem que decidir. Uns ficam neutros para não ferir suscetibilidades, como disse o ex-deputado Roberto Jeferson que detonou o escândalo da cueca, outros por não saberem em quem vão votar. Trocadilhos à parte (ou em toda parte), o interessante é que o gênero neutro na língua portuguesa acabou perdendo a cueca, ops! Quase desapareceu nas línguas neolatinas, não obstante haver ainda resquícios desse gênero: aquele (masc), aquela (fem), e aquilo (neutro); este, esta, isto; esse, essa, isso; todo, toda, tudo; algo (alguma coisa); nada (nenhuma coisa; al (outra coisa) são reminiscências do gênero neutro. A orientação no atribuir o gênero gramatical aos nomes de seres inanimados varia de língua para língua; se mulher, ente animado, é feminino substantivo em tidas as línguas, lua, que significa ser inanimado, pode ser feminino numa língua, como no português (sorte dos nossos petas), e masculino noutra, como é no alemão. O caminho é a aceitação.. se misturarmos as línguas em Babel, vamos acabar fazendo o que não pode, casando clandestinamente as letras do alfabeto espanhol com as das nossas, pois nos dizemos “o A”, e eles dizem “La A” (ou seja, o nosso alfabeto é masculino, o do espanhol  é feminino)! Assim também com algumas palavras: “o nariz” x “La nariz”, “o mar” x “La mar”, etc.

A língua grega, por sua vez, detém também o gênero neutro, alem dos gêneros masculino e feminino. Não sei se por sorte ou azar nosso, gênero gramatical e sexo não estam intimamente ligados, pões apenas os seres humanos e os animais o detém. Por isso, em grego e nas línguas naturais em geral, os seres do sexo masculino geralmente pertencem ao gênero masculino, o mesmo acontecendo com os do gênero feminino; os demais podem fazer parte de qualquer um dos dois ou ser neutros. Mas como ate na nossa própria língua acontecem coisa estranhas, como por exemplo, em vez de dizer: “as margens plácidas do Ypiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico”, disseram: “ Ouviram do Ypiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante”, eu não acharia nada estranho se gênero gramatical e sexo se ligassem intimamente, porque assim a nossa língua se enriqueceria com mais algumas dobradiças e pregos para a gente fazer mais acertos na arrumação da palavras por esse mero escriba que se compraz, às vezes, em se intrometer nas questiúnculas gramaticais.

 

(Edvaldo Nepomuceno, escritor)

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