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“A propaganda representa para a democracia aquilo que o cassetete (isto é, a polícia política) significa para o Estado totalitário.” (Noam Chomsky)
As estatísticas expostas em números que escondem intenções falam de um fenômeno crescente, mercadológico de alardeio mundial que é o evento moderno da comunicação de massa.
O conjunto formado pelos mais diversificados processos de comunicação massiva afeta a percepção da realidade, possível de ser dissecado, enquanto expressão da questão cultural, moderna, e problema científico a partir do afastamento do pesquisador desse meio ativo e alienante, arena na qual acontece o alardear da fala, da escrita e das imagens, componentes do processo de comunicação em geral ou de massa. O domínio desse contexto, dinâmico e veloz, engendra o sentido do mundo global, portanto é denominado fenômeno de massa, o qual a Sociologia, a História, a Economia, Demografia, a Política e as ciências sociais trabalham pesquisas e estudos analíticos. Essa realidade mercadológica carrega sentido da “mass media” advinda pós-guerras as quais datam antes mesmo que as revoluções industriais. Para a apreensão de toda a sua complexidade, exige-se delinear teorias críticas das comunicações de massa paralelas às análises descritivas do fenômeno que abarca conceitos de comunicação e cultura das massas para as massas.
A comunicação e cultura de massa estrutura-se no trampolim do consumo que estabelece as relações capitalistas, levando à arena sociopolítica na qual se desenrola o cotidiano de uma sociedade que consome material impresso, radiofônico e televisado, além da sua projeção em telas de cinemas com produções, a princípio, resultadas a partir dos centros capitalistas para a periferia do mundo. A sociedade industrial trata de democratizar informação, a partir do século XX, quando uma cultura ainda carregava ranços da herança trazida do século anterior, ou seja, momento histórico que conta da cultura tornada mercadoria de acesso para a nobreza e a alta burguesia. Esta vertente não tem mais vigência, quando os meios de informação vão generalizando e a cultura é viral em forma de palavra no rádio, nas diversas estampas disponíveis em veículos impressos, na tela do cinema e/ou televisão, mais tarde, alcançados pelo entretenimento e envolvimento de informação maciço proporcionado pelas redes sociais mundializadas.
As teorias da cultura de massa e o funcionalismo lucrativo dos Estados Unidos desenvolveram as primeiras teorias ligadas à comunicação em larga escala, ao cruza o limiar de uma sociedade massiva atropelada por conflitos interraciais e intergrupais, aguçados na crise econômica global, de 1929, quando a opinião pública intentava manifestar maciçamente pelas vias da vasta literatura sob os efeitos da imprensa, do rádio e do cinema como ferramentas de aproximação, feitiço e dominação do clamor público ou massa. O eixo epistêmico dessa discussão–abalroada pelo funcionalismo–embora não tenha nicho no macroestrutural sob o conceito de classe ou sociedade interagindo com o psíquico-sociológico. Segundo Wright, “objetivados pela Detecção, Interpretação, Transmissão e Entretenimento”, quando estas atividades exercem funções e disfunções de bem-estar ou mal-estar na sociedade resultando em efeitos, bem ou mal pretendidos, conceitos que perpassam o equilíbrio ou desequilíbrio psíquico, enriquecimento ou empobrecimento cultural, disfunção ou livre-arbítrio.
A essa dinâmica ou abordagem nomina-se teoria funcionalista no âmbito sociológico. Nas palavras de Merton: “[...] consiste em desenvolver teorias aplicáveis a uma gama limitada de dados – por exemplo, os da dinâmica das classes sociais, das pressões sociais em conflito, da autoridade, do poder e do exercício da influência interpessoal – de preferência a procurar imediatamente um quadro conceitual ‘integrado’ que permita derivar todas essas teorias” (Op. Cit. Introdução, BOSI, p. 42, 2009). Esse processo incorre na função do processo fisiológico recorrente, relacionado às necessidades do organismo como a “punição de um crime ou uma cerimônia fúnebre” (Radcliffe-Brown). Nas palavras de Malinowski “a função é o papel que os elementos culturais ou sociais desempenham na sociedade”. O postulado do funcionalismo universal determina que usos e costumes desempenham papel central no funcionamento do grupo social, uma proposição abusiva que envereda para as consequências sociais, quando cada uso, objeto, crença ou ideia cumpre um papel in dispensável no organismo da sociedade. O que definiria essas funções seria a sua necessidade. A disfunção aparece ainda como um dos papeis exercidos pelos “mass media”, o que descaracteriza o postulado de Merton, que não previa a harmonia universal entre o todo social e seus “órgãos” de comunicação, de tendência ideológica conservadora do status quo.
Assim, tanto na dinâmica quanto na estabilidade a inovação seria disfuncional por produzir instabilidade e levar à anomia. Merton, na visão de Ruy Coelho acerta quando propõe a reflexão de que um elemento pode ser funcional em um contexto e disfuncional noutro, por se tratar de um problema que refere às relações entre indivíduo e ordem social. A essa vertente sociopolítica Florestan Fernandes refere-se como a “zona obscura da interpretação funcionalista”, e, na definição de disfunção há alguma subjetividade, “pois os sistemas sociais são diferentes dos sistemas naturais”, ressalta o sociólogo, já que numa teoria dialética o movimento histórico determina uma síntese que não represente uma volta ao estado antigo, mas sua superação ou uma nova ordem.
A década de 1950 traz ao mundo “o meio enquanto mensagem” via novas conquistas eletrônicas que condicionaram o fenômeno da comunicação de massa, ferramenta da “mass culture”, baliza revolucionária entre a invenção da imprensa, no século XV, e a da TV, no século passado, quando também o rádio descobriu que ali se podia ler a poesia, melhorando-a através da nova dimensão de linguagem, fenômeno cultural do pensamento do autor subordinado ao novo canal (rádio) e aos fatores “emissor” e “receptor”, incluindo a própria mensagem. Os meios de comunicação usam códigos adequados a sentidos do corpo humano. A transmissão oral de contos e lendas, anterior à Renascença, aplicava-se ao ouvido. A partir de Gutenberg, a escrita aplica-se à visão. Na era eletrônica adere ao meio midiático o recurso audiovisual da era eletrônica. A escrita, segundo constatação de McLuhan, “teria agido como fator isolante, arrancando o homem da sua comunidade verbo-oral”, destribalizando-o, portanto.
Sobre as culturas do mundo antigo, a oral e a letrada “os pré-socráticos ainda tiveram em geral uma cultura analfabeta. Sócrates viveu na fronteira do mundo oral e a cultura visual do alfabeto, mas nada escreveu. A Idade Média julgou Platão um simples escriba amanuense de Sócrates, e, Santo Tomás de Aquino considerou que nem Sócrates, nem Nosso Senhor confiaram seus ensinamentos à Escritura, não sendo possível – por meio dela – a interação das mentes” (McLuhan). Esta a sabedoria da aparência, não a sua verdade, escrita por eruditos em muitas coisas, ao final não entendendo nada, convertidos em sábios por sua própria opinião (Thamus).
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo, mestre em Serviço Social, pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás; aluno-ouvinte em Direitos Humanos/UFG)
