"Por que os comunistas chineses se saem melhores capitalistas do que nós?". Esta é uma instigante pergunta que procura responder a renomada professora da Universidade de Cambridge, Loretta Napoleoni, no seu mais novo best-seller: “Maonomics”. Destinado ao grande público, o livro dessa importante pesquisadora ilumina caminhos que nos ajudam a entender o sucesso chinês neste mundo globalizado.
Posto isso, comento, nestas linhas, alguns pontos que me parecem fundamentais para entender esse dilema chinês, um “milagre” construído com muita paciência e trabalho.
Primeiro: o que está por trás do “milagre” chinês.
Numa civilização com cinco mil anos de história, o tempo é algo muito lento. Lenta foi a abertura chinesa para o mundo. O primeiro namoro com o ocidente ocorreu nos tempos do ex-presidente norte-americano Richard Nixon. Certamente, as mais de 70 vezes que o ex-chanceler Henry Kissinger foi à China para construir os primeiros acordos demonstram como funciona a política chinesa: cheia de símbolos num tempo quase parando.
A China se vê não como um Estado, mas sim como uma civilização. Loretta Napoleoni nos conta que “os chineses estão mais em contato com a própria história porque sua estatura política permaneceu fundamentalmente intocada durante 5 mil anos”.
Segundo: “Enriquecei-vos!”. Assim falou o pequeno gigante chinês: Deng Xiaoping.
Se Mao Zedong foi o líder ideólogo do comunismo; Deng Xiaoping, seu sucessor, foi o timoneiro que conduziu as reformas das estruturas que fizeram da China o que hoje ela é.
As zonas específicas de desenvolvimento possibilitaram a maior migração interna que se tem notícia no planeta: 200 milhões de chineses mudaram de patamar — de campesinos, passaram a empregados dos capitalistas que chegavam ao país de Mao para, principalmente, construir indústrias. Resultado: uma nova ideologia comunista nascia com tempero capitalista: “enriquecei-vos!”, propagava Deng Xiaoping por todos os cantos daquele imenso país.
Terceiro: capitalismo sem as amarras neoliberais.
Os tradicionais financiadores do neoliberalismo — Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e os bancos de Wall Strett encontram-se léguas distantes daquele país asiático. Resultado: o governo chinês é o senhor absoluto da abertura chinesa para o mundo. “Graças ao controle exercido pelo governo sobre os sistemas bancário e financeiro, o estímulo monetário injetado nos bancos foi parar nas mãos dos chineses, em vez de reforçar as reservas dos bancos, como no ocidente”, aponta a autora em seus escritos.
Quarto: negociar é preciso.
Na relação com os demais países, os chineses não ajudam, negociam. Com essa mentalidade, capitais chineses reconstroem a infraestrutura de inúmeros países africanos devastados pelas guerras. O país de Mao fez isso em Angola, em troca do rico petróleo daquele país. O mesmo aconteceu com o domínio inglês na capitalista Hong-Kong. Esta permaneceria capitalista, em troca dessa ilha-Estado ser anexada ao território chinês. E assim o país de Deng Xiaoping inverteu a relação colonial de inúmeros países do ocidente. Não colonizar, e sim negociar. Eis aí o espírito chinês de expansão internacional.
Creio que agora estamos em condições de responder ao questionamento proposto por Loretta Napoleoni, no início deste artigo: por que os comunistas chineses se saem melhores capitalistas do que nós? Eis a resposta: os chineses se deram melhor que os capitalistas ocidentais porque souberam se abrir para o mundo, lenta e gradualmente. O interesse nacional conduzido pelo Estado explica muito desse sucesso.
(Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Planejamento Energético. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca)