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OPINIÃO

Quando a “senzala” surta e a “Casa-Grande” apenas sorri!

“Uma estudante de escola pública de Ribeirão Preto alcançou a nota mais alta da Fuvest no curso mais concorrido do vestibular 2017 da Universidade de São Paulo (USP): o de medicina no campus de Ribeirão Preto. Bruna Sena, de 17 anos, estudou a vida inteira na rede pública e superou 6,8 mil candidatos que disputaram as 90 vagas de graduação, ficando em 1° lugar. A assessoria de imprensa da USP em Ribeirão Preto (SP) confirmou a colocação da candidata. Com a aprovação, ela se tornou a primeira pessoa de sua família a ingressar no ensino superior”. G1. 06/02/2017

“A casa grande surta quando a senzala vira médica”, disse a estudante.

Estimada Bruna Sena, parabéns pela conquista histórica! Feitos como este devem ser comemorados e valorizados. Torço para que quando concluir o curso de Medicina na USP seu discurso nas redes sociais e na vida seja menos rançoso e dizimador de discórdias...

Sou negra como você, apesar do cabelo ondulado que me garantiu a alcunha de “morena”, me impedindo de participar 100% dos movimentos negros e 50% na Casa-Grande que você menciona... Aos 42 anos sei o que você não tem idade para compreender: A Casa Grande, esta figura que não deve ser esquecida jamais por nós, indivíduos da etnia negra, afinal raça não é mais utilizada por questões óbvias, e que continua existindo no comportamento de indivíduos assumidos racistas, dá gargalhadas de desprezo...

Sabe, sou contra a política das cotas, não porque sou “coxinha”, ou me envergonho de minhas origens, e sim por ela certificar o que o povo da klu klux klan, o próprio Hitler e muitos outros tentaram provar: A “nossa” inferioridade perante eles...

Seu mérito é único mesmo. Entretanto, quando uma pessoa dessas, que mencionei anteriormente, lê ou assiste uma entrevista da sua vitória, ela fica feliz por saber que você precisou de “uma” ajudinha para isso.  Eles não consideram que enfrentar uma concorrência de 70,58 por 1 vaga seja grande mérito; imagina quando descobrem que na verdade foi de 50 por 1 vaga... 20 Aquela ajudinha do governo derrubou mais de 20 candidatos e certamente todos não eram 100% caucasianos e ricos, pois estamos no Brasil!

Li, em uma entrevista que em outro momento você tentou ingressar no curso de Medicina pelo Sisu e não conseguiu porque a nota do Enem era insuficiente. Que você contou com a ajuda e o apoio financeiro de amigos e familiares porque o salário de sua mãe, de R$ 1.200,00 não era suficiente.

Sei na prática as dificuldades e limitações que negros, mestiços, indígenas e brancos pobres enfrentam quando estudam no ensino público. Tenho sangue de todos eles correndo em minhas veias. Eu mesma fiquei seis meses sem ter aulas de português e sofri muito à vida estudantil por isso. Imagina, eu jornalista, sem dominar o idioma pátrio. Tentei duas vezes, não um curso tão concorrido quanto o de Medicina; primeiro Jornalismo na UFG – Federal de Goiás e depois na Unir – Federal de Rondônia.

Na primeira não fui aprovada, na segunda tive a segunda colocação, no vestibular geral de 1999! Tinha nota para cursar Direito – concorrência 32 por 1 vaga, e optei por Letras-Espanhol - 26 por 1 vaga – por conta da obrigatoriedade da inclusão deste idioma na grade curricular, que era algo mais próximo de Jornalismo. Nessa época não havia Jornalismo na federal do Estado e nem nas duas únicas faculdades particulares. E mesmo se tivesse eu não poderia arcar com o custo. Eu, mãe solteira, filha única de pedreiro e costureira...

Com certeza ajudaria se naquela época houvesse apoio direto do governo para estudantes do ensino público, de raça e tudo mais... Na verdade, não teria ajudado não! Minha filha poderia ter utilizado o sistema de cotas para ingressar no curso de Agronomia na UFPA – Federal do Pará, em 2013, e não usou pelos mesmos princípios que eu: Não me considero inferior, diferente ou superior a qualquer um: Branco, pardo, indígena...

Adotei há muitos anos, por resumir o que acredito a seguinte frase: “O dia em que pararmos de nos preocupar com consciência Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com consciência humana, o racismo desaparece” – Morgan Freeman... É claro que este e outros posicionamentos do ator americano ofenderam os movimentos negros do mundo inteiro, mas também foram abraçados por pessoas que acreditam na humanidade, não em uma raça!

Enfim. Sucesso em sua jornada e ouça os conselhos de sua mãe que teme que você sofra represálias na USP, não apenas por racismo, feminismo ou classe social, e sim por ser mãe e querer o melhor para você!

Vou torcer para que sua militância partidária não influencie negativamente na sua atuação como médica, já formada. Recentemente vimos à ex-Primeira Dama do País ser vítima não de indivíduos desta ou daquela etnia e cor partidária, e sim de seres sem humanidade! Não se transforme em um deles!

(Viviane Vieira de Assis Paes, consultora de Comunicação Corporativa)

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