É impressionante o poder da sugestão. Com base nesse poder é que os curandeiros operam milagres, os rezadores cortam os males, pois o paciente incute na cabeça que de tal forma que tal coisa vai dar certo, que acaba é dando mesmo. Aí está um dos segredos da grande procura de pessoas que, embrulhadas num invólucro de misticismo, arrastam aqueles que se acham em busca de uma tábua de salvação.
Costumo contar um causo sertanejo que vem a talho de foice para ilustrar o poder da sugestão. E vá escutando:
“Uma pessoa, andando nas imediações de uma tapera, sentiu uma picada no pé, e, naturalmente curiosa e preocupada, foi averiguar que bicho o havia mordido. Mordera-o uma malha de cascavel, que, ato contínuo, sumiu numa greta qualquer. Ali no lugar ele avistou uma lagartixa, acreditando ter sido mordido pela inofensiva labigó (nem sei se lagartixa morde gente, mas serve para ilustrar a história). E seguiu sua estrada despreocupado, pois, afinal, mordida de lagartixa nunca foi venenosa. E nada lhe aconteceu.
Dias depois, passando pela mesma tapera, novamente uma picada fina, quase indolor, fisgou-lhe a perna. Desta vez tinha sido uma lagartixa, talvez a mesma que lhe aparecera quando da mordida da cobra. E desapareceu a batché debaixo de uma casca de pau. Investigando o autor da picada, apavorou-se o homem com o rastejar de uma cobra venenosa que dormia por ali e que se assustara com sua aproximação. Aí, ele se impressionou, viu o ferimento abrir-se em hemorragia e a inchar-se, a chegar-lhe logo um gosto ruim de febre na boca e ânsia na alma, levando-o pouco tempo depois à sepultura”.
Isto, se não é verdade (vai ver que é abusão do povo), serve para mostrar quão é sugestionável o ser humano, mormente no mundo de hoje, onde a confusão propicia o surgimento de pretensos salvadores, de charlatães que exploram a credulidade popular. Uns curam os males da alma; outros, os do corpo. E acabam curando, pois os crédulos, de tanto meter no juízo que aquilo é solução, curam-se mesmo. Aliás, pelo martelar de uma coisa, acaba-se mesmo é adotando certos hábitos, como é o caso da propaganda, que bota a gente pra comprar o que aparece. Em suma, como consumidores, somos verdadeiras vacas-de-presépio.
Mas aqui o causo é outro.
Lembro-me de uma passagem dos tempos de menino, em que a fé em determinada coisa funcionou como elemento decisivo para a cura.
Na loja de meu pai, como todas as de São José do Duro, ele vendia de um tudo: tecidos, armarinho, sal, rapadura melenta, café, gás (aqui, é querosene), produtos agrícolas, além de medicamentos de uso comum (tintura de iodo, calo-melano, ruão, sal amargo, assafétida e uma infinidade de outros de uso corriqueiro no sertão), hoje desaparecidos do mercado.
Um dia, chega-lhe ao balcão um conhecido do mato pedindo um remédio para curar a sapiranga que incomodava os olhos de um filho. Meu pai espantou-se com aquilo, pois todo mundo sabe que para as doenças dos olhos não carece de ir à rua, que no mato já tem: é o leite de catolé, o sumo de arruda, de manjericão ou malva, além da universal água de sal para lavar os olhos.
– Já experimentou infusão de cravo-de-defunto, homem de Deus?
– Quá! Meu menino, que já é ladino, disse que quer é remédio de loja, que ele não tem fé em meizinha de casa, não! – retrucou o freguês.
Meu pai coçou a cabeça, alisou o queixo, depois de inutilmente tentar convencer o homem da eficácia dos remédios caseiros, que ele – meu pai – estava canso de usar em nós, filhos. Mas o porcaria do menino fincara o pé, que queria porque queria remédio de loja. Aí, meu pai, que não dispunha de um colírio na loja, falou pro homem voltar depois de almoço, que ele ia ver um remédio de loja pra ele curar a sapiranga do moleque.
Na saída pra roça, onde morava, o homem passou lá, e meu pai veio lá de dentro com um vidrinho sem rótulo cheio de um pozinho branco:
– Leve esse remédio. Todo dia de manhã, depois de lavar a remela, desmanche uma colher de sopa em um litro d’água esperta e lave os olhos do menino. Semana que vem volte aqui e me diga se ele não ficou bom.
Nem cobrou o remédio, ficando o homem de depois retornar para dizer se o remédio tinha dado volta no mal que lhe cozinhava a beirada dos olhos.
Dias depois, voltou o homem querendo saber quanto custava o “santo remédio”, que acabara com a sapiranga e limpara os olhos do menino. E ainda trouxe o paciente, já de zói limpo, para atestar a excelência do medicamento. Meu pai, muito gracista e cheio de istúcia, deu foi uma gaitada:
– Sabe que remédio era aquele?
– Inhor não, mas sei que é um santo remédio!
– Pois fique sabendo – continuou meu pai, para deixar o roceiro todo descabreado: aquele remédio era sal de temperar.
Pelo que vemos, há muito sal de cozinha fazendo papel de remédio de loja por aí afora.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, membro da Associação Goiana de Imprensa (AGI), escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])