Do tupi, Paranaíba é ajuntamento de duas palavras: "paraná" que quer dizer "rio" e "aíba" que é "ruim", em ligeiro, Paranaíba é "rio ruim". Evidentemente, o rio não é ruim, aliás, rios nunca são ruins, são realidades hídricas resultantes de milhões de anos em muito fina sintonia com a própria evolução da Terra.
Desta maneira, a forma do rio, sua localização, suas sinuosidades, profundidade e intensidade de suas correntezas é engenharia geo-hidro-ambiental de milhões de anos; os tipos de vegetação que incorpora em seus interiores bem como a diversidade de sua vegetação ciliar e as formas de vida que apresenta retrata tempos geológicos que se somaram, se fundiram e produziram uma magnífica síntese de paisagens e biodiversidades notadamente singulares.
O Rio Paranaíba traz das mais distintas maneiras, o tempo da Terra. Nasce na serra da Mata da Corda, no município de Rio Paranaíba, nas Minas Gerais e após 1.170 quilômetros de extensão se junta ao Rio Grande para dar forma e tamanho para o Rio Paraná.
O Paranaíba, apesar de sua notável e direta importância econômica, social, ambiental, cultural e hidrológica para estados como Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Brasília, é um dos rios que mais sofre com as ações e investidas dos assim chamados grandes empreendimentos e o assustador de tudo isso é que não há uma única política integrada de gestão e manejo de efetiva importância e eficácia para o rio, evidentemente, instituída pelos estados que mais diretamente lhe dizem respeito.
Destaque deve ser dado para as suas duas principais usinas hidroelétricas: Emborcação (nos municípios de Catalão/GO e Araguari/MG e Itumbiara nos municípios de Itumbiara/GO e Araporã/MG). Desnecessário falar do impacto ambiental gigantesco desses dois empreendimentos no que se refere por exemplo, ao imperativo, ainda hoje não resolvido, de re-localização de grande número de comunidades rurais bem como do próprio extermínio de formas de vida em função dos extensos reservatórios de água e que são consequentemente formados a partir dos respectivos represamentos.
Apenas para o trágico caso da Usina Hidrelétrica de Itumbiara, gerida pela estatal Furnas Centrais Elétricas S.A. e sua principal Usina, é preciso destacar que uma bastante considerável área de 778 quilômetros quadrados fora inundada gerando grandiosos e dramáticos efeitos sociais e ambientais ainda para os dias de hoje para mais de quarenta municípios.
Segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam/MG) que realiza trabalhos de monitoramento de barragens (de contenção de rejeitos, resíduos e de reservatórios de água) apenas no curso ou nas imediações do sofrido Paranaíba somam-se dezenas e dezenas destes dispositivos e que contribuem sobremaneira, para uma digamos, eco-hidro-pauperização do Rio Paranaíba.
Exemplo são os reservatórios de Batatais, Mumbuca, da Fazenda Espigão, Fazenda Lagoa da Capa, Fazenda Matão, Pulmão de Água Residuária, Tanque de Água Bruta, Tanque de Mistura, Tanque de Vinhaça I e II; todas elas, grandes contenções hídricas da destilaria de cana "Agroindustrial Santa Juliana S/A" situada no município de Santa Juliana, no Triângulo Mineiro.
No cadastro apresentado pela Feam, somam-se mais de setecentas barragens em suas mais distintas modalidades onde rios ou cursos d´água mais atingidos são: São Francisco, Grande, Doce, Jequitinhonha, Paranaíba e Piracicaba. Nosso já bastante sofrido Rio Paranaíba apresenta, ao menos cadastradas, setenta e nove dessas estruturas; são contenções de alto risco que atingem, obviamente, a qualidade das águas e sua biodiversidade; a já muito reduzida qualidade do ar e, como consequência, altera nociva e integralmente, formas originais de vida e produção de comunidades rurais e ribeirinhas.
Os grandes responsáveis por essas "bombas-ambientais" são desde mineradoras, destilarias de álcool, grandes monoculturas até ao novo empreendimento da especulação rural-imobiliária e que formata condomínios de chácaras, hotéis-fazendas, parques aquáticos e similares.
De outra feita, não dá pra achar que a tragédia ambiental de Mariana/MG acontecida recentemente é algo pontual e sem possibilidade de repetição. Dá pra esquecer da ruptura da "Barragem do Fundão" no distrito de Bento Rodrigues, um funesto anunciado e gerido pela Samarco Mineração S.A. (Um conluio criminal e empresarial de responsabilidade da mineradora brasileira Vale do Rio Doce com a também mineradora anglo-australiana BHP Biliton) tido como o maior desastre ambiental do mundo em matéria de de ruptura de contenção de rejeitos? Como esquecer das milhões e milhões de toneladas de dejetos e lastimas pesadas e que arrasou com as águas de Minas Gerais e Espírito Santo?
Esse padrão de desenvolvimento já passou de todos os seus limites e nada mais pode ser feito a não ser reinventar as atuais formas produtivas bem como as relações sociais daí advindas para que paremos, por fim, de repetir os mesmos erros.
Que o Rio Paranaíba não vire a Barragem do Fundão!
(Ângelo Cavalcante, economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)