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OPINIÃO

O problema não é de comunicação, é de confiança

Governos costumam colocar a culpa de seus problemas na comunicação. É cômodo, para o presidente, ministros, deputados e senadores, atribuir as falhas mais diversas a dificuldades de comunicação. Podem ter razão algumas vezes, mas na maior parte do tempo trata-se de escapismo, que reduz realidades complexas, escolhas erradas e políticas ruins a questões de versão - ou narrativa, para ficar na palavra da moda. Não há comunicação que dê jeito quando o problema é de governo.

É por isso que não dá para levar a sério a afirmação, agora recorrente em bocas governistas, de que as resistências à aprovação da reforma da Previdência se devem a falhas de comunicação do governo, que não conseguiu convencer a população de sua importância. E nem explicar de forma razoável mudanças como a exigência de idade mínima e de mais tempo de contribuição para manter o sistema de pé daqui a alguns anos.

Os autores dessa tese argumentam que as pressões sobre deputados e senadores contra a reforma seriam menores se uma campanha publicitária mais eficiente, além de explicações didáticas diárias dos governistas, tivesse mostrado por A mais B que as contas não fecham e que, no futuro, pode não haver dinheiro para pagar os benefícios.

Acreditar nisso a esta altura é subestimar a inteligência do brasileiro. Boa parte das pessoas já sabe, há tempos, que é enorme o rombo da Previdência e que as contas não fecham. E essas pessoas poderiam até aceitar sacrifícios, como trabalhar mais alguns anos para se aposentar, se olhassem em volta e vissem que todo mundo fará o mesmo, inclusive servidores públicos, deputados e senadores, juízes, procuradores, etc. Mas não é bem assim.

A resistência à reforma da Previdência não é um problema de comunicação, mas sim de confiança. Aliás, de desconfiança. A maioria da população não confia no peixe que lhe está sendo vendido, sobretudo porque acredita que, enquanto sua vida piora, a dos privilegiados pouco ou nada mudará.

Para encarar a luta da Previdência, a primeira coisa que o Planalto deveria fazer é convencer o público de que a reforma será geral, homogênea, igual para todo mundo, implantando o mesmo sistema de pagamento de benefícios, com seus tetos, idades e restrições, para todos os brasileiros.

Mas o presidente Michel Temer sinalizou exatamente o contrário esta semana, quando desceu ao Salão Leste do Planalto, cercado de ministros e dirigentes do Congresso citados na Lava Jato, e anunciou que, atendendo reivindicação do Legislativo, os servidores dos estados e municípios estarão de fora da reforma que será votada pelo Congresso. Em nome de um suposto respeito à autonomia dos Estados, ficam mantidas mais algumas categorias de brasileiros com privilégios variáveis na hora da aposentadoria.

Todo mundo, inclusive as preocupadas consultorias de economia, sabe que a maioria dos estados deixará para o Dia de São Nunca a aprovação de reformas tornando mais rígidos seus regimes de Previdência. No mínimo, para depois das eleições de 2018. Quando acontecer, se acontecer, vão criar situações bizarras, como idades mínimas diferentes para servidores de estados diferentes. Enquanto isso, os trabalhadores do regime único, grande maioria, vão ter que esperar até os 65 anos.

Na inevitável, e desejável, negociação do texto da PEC da Previdência, o Planalto poderia ter afrouxado regras que atingem a grande maioria dos desprotegidos, como a idade mínima para o trabalhador rural, ou os limites draconianos ao BPC, benefício de prestação continuada para idosos ou pessoas com deficiência, que pelo texto da reforma será desatrelado do mínimo. Poderia, mesmo, ter reduzido os impensáveis 49 anos que o trabalhador terá que contribuir  para receber a aposentadoria integral.

Só que não. Ao ceder à pressão dos parlamentares, que não querem votar reformas impopulares para cortar a aposentadoria de suas bases integradas por categorias organizadas nos estados, Michel Temer mostrou de que lado está. Alívio na base parlamentar, mas não na base da pirâmide.

Vai ficar a cada dia mais difícil convencer a maioria da população a confiar numa reforma que, em vez de eliminar privilégios e desigualdades, aprofunda diferenças. Alguns vão continuar mais aposentados do que outros. Não tem comunicação que resolva.

Helena Chagas, jornalista, foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014)

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