Caro Caco Barcelos,
Sou um grande admirador do seu trabalho, do seu jornalismo investigativo, da sua primazia em contar-nos enredos com sensibilidade, num olhar humanista, crítico e verdadeiro.
Meu primeiro contato com a sua obra foi através do livro de sua autoria “Rota 66”. Intrigante narrativa de uma polícia que mata, que assassina, que massacra.
Nesta sua magnífica obra vejo as digitais indeléveis da sensibilidade com que o senhor aborda as vítimas de um dos esquadrões da morte mais perversos do Brasil. Seu recorte nos revela de forma rude e gritante a questão social, os padecentes escolhidos pelos bandidos fardados, pobres, negros, filhos da miséria, da ausência do Estado.
Porém, tenho que confessar que a obra que eu mais gostei foi seu outro livro “O Abusado - o Dono do Morro da Dona Marta.” Obra arrebatadora. Um dos raros livros que tem o dom viciante da narrativa apaixonante e densamente reflexiva.
As contradições éticas, morais e legais, se misturam na compreensão de mergulharmos na formação do pensamento, da lógica perversa do tráfico.
As reflexões de Juliano VP (codinome de um conhecido traficante) nos traz a incomoda, mas indispensável, meditação dos meandros do abandono estatal, onde oportuniza a ascensão de “empresas” - organizações criminosas - para ocupar esses espaços vazios.
É desconcertante observar as preocupações do dono do Morro com os flagelos sociais, com o cuidado de sua comunidade, mesmo pelas vias inversas, como o tráfico.
“Abusado”, é uma obra prima, no sentido de que nos leva ao submundo do crime, mas ao mesmo tempo nos revela a luta de uma comunidade abandonada em suas necessidades básicas de cidadania, e que encontra na organização criminosa seu derradeiro amparo de subexistência.
Entretanto, o que me emociona ao escrever esta carta ao senhor, foi sua recente entrevista no programa “Conversa com Bial”, da Rede Globo.
Seu depoimento sobre sua admiração ao ex-governador Leonel Brizola, num momento em que a sociedade brasileira está estupefata com a descrença da classe política, foi extraordinária.
Seu reconhecimento à uma das obsessões de Brizola que era a educação, demonstra que o senhor não perdeu suas referências na construção de sua cidadania.
O governador dos pés de chinelos, suas referências sobre a importância de uma escola libertária, da pobreza, da indigência, da escola desonesta que temos hoje é um dos entraves que o Brasil insiste não enxergar.
De fato, assim como Brizola e Darcy Ribeiro ponderavam que não existe cavalo sem ferradura, bezerros abandonados, galinhas sem dono, mas existem crianças de rua, crianças passando fome, crianças abandonadas.
Escola de tempo integral, onde o Estado é corresponsável pelo seu futuro, é uma questão de política de Estado e investimento em futuro, é cuidado com a verdadeira riqueza de uma nação digna dessa acepção.
Senhor Caco Barcelos é gratificante ver seu testemunho num Brasil hipócrita que não conhece sua história e que abandona suas crianças.
A educação de qualidade é o único caminho para um dia termos um país mais equânime.
(Henrique Matthiesen, bacharel em Direito, jornalista)