A florada do ipê representa a resistência e a superação, porque é no auge do inverno do centro-oeste brasileiro, período de clima quase desértico, que essa árvore mostra suas cores.
Essa a inspiração maior da artista Waldira Maria, que se especializou na criação de ipês artesanais para irradiar sua arte. São dela as peças que enfeitam o 29º Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, que reúne mais de 500 pessoas em Goiânia, de 22 a 24 de novembro, na sede do TCE-GO.
Quem vê de longe coloridos ipês, muitas vezes em ambientes fechados nos espaços da capital goiana, deve ficar se perguntando como essas árvores conseguem se manter floridas mesmo após o inverno, que é a época natural de sua florada. Ao se aproximar, a constatação surpreendente é que se trata de delicadas peças artesanais criadas pela artista Waldira Maria. Nascida no interior de Minas Gerais, mas criada em Goiás, ela convive desde sempre com a beleza natural dos ipês, que passaram a ser uma de seus principais manifestações artísticas.
Waldira é uma mulher simples, simpática, que traz a poesia na alma. Seus sonhos vêm sendo construídos a mão. A alegria e a esperança são modelados no barro e no tecido e coloridos com carvão e tinta. A menina artesã se descobriu artista ainda criança. E ela relata: “Eu já nasci com o dom da arte. E eu amo meu trabalho, minha história. Acho que a natureza fez tudo o que pôde para que eu me descobrisse. Era eu mesma quem fazia meus brinquedos, as casinhas, as panelinhas, os bonequinhos”.
As rugas que carrega nas mãos e no semblante trazem consigo uma história de mais de 40 anos de arte, cujo resultado está espalhado por todo o Brasil. As lágrimas que escorrem pelos olhos de Waldira caem por respeito a todas as dificuldades que a mineira de Patos de Minas já enfrentou. “Eu fazia os pincéis com pena de galinha e rabo de cavalo”, ela conta e chora, relatando uma vida de superação. “O artesão tem de trabalhar com o que está ao seu alcance, e eu não tinha nada. Hoje entendo o valor que eu e meu trabalho temos. Só eu sei o quão é difícil, mesmo assim também reconheço que eu jamais faria outra coisa. Eu sempre quis morar em uma casa cimentada, então aprendi a fazer cimento de barro”. E, desde então, Waldira nasce e renasce do barro todos os dias.
Do barro, a artista alçou outros voos. Desenvolveu, sozinha, cinco tipos de massas de artesanato diferentes que enchem de detalhes suas obras. Trazendo toda a representatividade do cerrado, Waldira se dedicou à flora e à fauna do bioma. Hoje é conhecida como o nome que representa os ipês do cerrado através do artesanato.
“Eu nasci com esse dom”, empodera-se a artista. Além de galhos de árvores secas, Waldira utiliza canas para a base dos ipês. As flores são feitas ora com tecidos, ora com TNT, EVA e até com material plástico. As obras já levaram a mineira a diversos estados brasileiros, onde fortalece a importância da arte e do cerrado brasileiro. Ela reclama da receptividade em Goiânia, comparando com outras cidades onde já viveu, como Jaupaci, São Luis de Montes Belos, Santa Fé (RR) e Manaus (AM). “Aqui nós, artesãos, somos muito engavetados, é muito difícil, vende-se pouco, mas eu sou muito feliz”, afirma.
Das alegrias que a simplicidade lhe proporcionou experimentar, Waldira sorri ao se lembrar das primeiras obras que vendeu. “Com o dinheirinho que ganhei, comprei coisa gostosa para os meus irmãos. Eram coisas que a gente não tinha: um refrigerante, uma rosca, um bolo...” Ela emociona-se ao se lembrar da primeira obra vendida: “Foi pintada com cinzas, pasta Kolynos e carvão. Eu fui na égua magrela do vizinho pra cidade e lá eu vendi”. A arte venceu.
Mesmo com todas as dificuldades na capital goiana, Waldira participou de projetos como o de valorização do artesanato na Praça do Artesão, no Jardim Zoológico e na feira hippie. Nos últimos anos, seu trabalho artesanal tem contado ainda com a força da sua expressão teatral. A artista criou vários personagens do Cerrado para alegrar festas e solenidades. Entre outras figuras do seu repertório estão a Boneca Val, o Chicão, Roseta e a Menina do Subúrbio.
Para quem se aproxima dela, fica claro: Waldira só reproduz o que há dentro de si. As flores dos ipês da artesã que enfeitam toda a cidade só mostram as cores que ela traz dentro do peito.
(Jaqueline Gonçalves do Nascimento, jornalista e professora universitária)